De acordo com a sabedoria internetiana, viver se resume a engordar e pagar boletos. Mas, pra ser sincero, é muito pior:
– é engolir sapo (frio, sem tempero) e achar gostoso.
– é ser um malandro violino (levar vara e sair cantando)
– é ouvir abobrinhas acreditando ser melhor não ter surdez
Se você é do tipo de gente composto por quem não leva desaforo pra casa, ou não concorda com essa forma folgada de levar a vida, prepare-se! Certamente você é chato. É o brasileiro da contramão, o camarada de mal com a vida, o oposto do amigão cordial das propagandas.
Saber contornar as dificuldades com bom humor faz a vida ser mais leve. Rir da própria desgraça já é um bom começo e esse hábito é reconhecido até pelo pai da psicanálise. Até o próprio Freud tinha seus próprios chistes e os usava frente situações mais improváveis: Quando os nazi promoveram a queima de livros, ele foi espirituoso, dizendo ser melhor seus escritos pegarem fogo, ao invés de ser ele próprio, como na inquisição. Chegou a escrever sobre o humor (Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten), colocando a piada no mesmo patamar dos sonhos como tradutores da psique.
E os benefícios do riso fácil não são restritos à saúde mental. A medicina geral estabelece uma relação direta entre humor e muitos benefícios físicos. Os pesquisadores definem humor como a capacidade de encontrar aspectos positivos nas situações negativas com a intenção clara de animar o outro. Eles acreditam na risada e nas piadas como instrumentos para redução de ansiedade e estresse. Pessoas bem humoradas têm menor possibilidade de desenvolver a síndrome de burnout e são muito mais flexíveis, como escreveu Barbara Wild em 2017 na revista alemã Deutsche Medizinische Wochenschrift (Humor in Medicine – The Art of Leaping Over the Shadows)
Mas o limite entre ser legalzão e ter um mínimo de amor próprio é indefinido. Nem sempre contamos com elasticidade escrotal suficiente para aguentar tanta porrada. Nos dias iniciados com o pé esquerdo, a vontade de se rebelar provoca pruridos, como aconteceu com a personagem do Michael Douglas no filme Um dia de Fúria (Falling Down, 1993). São ocasiões propícias para:
– Mandar à m… atendentes dos planos de celular
– Degolar o furador de fila
– Xingar o operador de telemarketing
– Esbofetear o gerente do banco – aquele mesmo tão solicito na hora de vender seu produto – mas tão ausente quando é preciso obter o benefício empurrado por ele para cumprir sua meta.
– Gritar com o motorista ruim e suas fechadas no trânsito
– Chutar a bunda do burocrata lerdo e enfiar na sua goela (ou em outro orifício) seus carimbos, selos e firmas reconhecidas.
Enquanto esse dia estiver calado na garganta e a boa educação mandar manter a calma e estimular o riso, vamos vivendo na base da chacota e da cachaça.
- Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Professor da FAMERP de São José do Rio Preto)