Em dezembro de 2022, o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; divulgou a população estimada do Brasil em, aproximadamente, 207,8 milhões de habitantes. O dado chamou atenção porque o próprio órgão projetava, em 2021, um número superior em 7 milhões de brasileiros que batia os 215 milhões de habitante em nosso país.

Gráfico da projeção da população brasileira indicando que na década de 2070 o número de habitantes deverá cair

Nas contas públicas esse impacto é direto. Isso porque o governo federal, por meio do IBGE, deve divulgar a estimativa da população dos municípios ao Tribunal de Contas da União a fim de definir os valores de repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O FPM é uma transferência constitucional, da União para os Estados, Municípios e o Distrito Federal, composto de 22,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

O repasse é estabelecido baseado em faixas populacionais e as diferentes faixas têm direito a valores maiores quanto maior a população. Portanto, se um município perde população, mudará de faixa e perderá recursos. A projeção menor feita pelo IBGE deve promover um efeito cascata que desencadeará numa perda de mais de R$ 3 bilhões e afetará 702 municípios do país.

Em Jales (SP) a surpresa não foi diferente. Havia certa expectativa que o nosso pedacinho de Brasil ultrapassasse os 50 mil habitantes. E isso não é de hoje. Além de ser simbólico, significaria participar de uma outra faixa do FPM e retomar os ânimos para o desenvolvimento econômico da cidade da Praça do Jacaré.

Mas, então, por que as projeções não se confirmaram? Vamos procurar entender.

A questão demográfica

O Brasil vem concluindo uma fase avançada da chamada transição demográfica. Trata-se de um conceito que descreve a dinâmica do crescimento populacional. Na análise é considerada as mudanças do ritmo de crescimento da população durante o seu período histórico tendo como causas, por exemplo, os avanços da medicina, a urbanização, o desenvolvimento de novas tecnologias, entre outros. Isso impacta nas taxas de natalidade (refere-se aos nascidos), mortalidade (refere-se aos mortos), expectativa de vida e a fecundidade (número de filhos por mulher).

Desde 1970, mesmo que de maneira não universalizada, o Brasil experimentou muitas melhorias nas condições de vida da população como o avanço no atendimento de saúde, aumento no acesso às vacinas, ampliação do saneamento básico e melhorias habitacionais que culminaram na redução da mortalidade e no aumento a expectativa de vida.

Em relação a mortalidade, na década de 1950, o Brasil tinha uma taxa de 17‰ (a cada mil pessoas, morriam 17 no período de um ano). Já em 2022, essa taxa caiu para 6,6‰. Para a expectativa de vida, os indicadores são mais surpreendentes: em 1950, o brasileiro vivia, em média, 48 anos; já em 2022, aumentou para 77 anos.

Por outro lado, o maior acesso à informação e o aumento da escolaridade e renda fez reduzir a natalidade e a fecundidade. Isso porque o brasileiro passou a adotar o planejamento familiar e os métodos anticoncepcionais que reduziram a quantidade de filhos: enquanto que em 1950 as mulheres tinham uma média de 6,7 filhos, em 2022 essa média era de 1,73.

O gráfico indica que o Brasil está na fase avançada da Transição Demográfica

Em Jales não foi diferente e os dados se aproximam muito da realidade do Brasil. De acordo com a Fundação SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados) a taxa de mortalidade jalesense é de 6,1‰; e a expectativa de vida é de 78 anos.

Essa situação leva a redução do crescimento da população pois a população que vem a óbito não é reposta devido a queda da natalidade e da fecundidade. Logo, assim como o Brasil, Jales está na fase avançada da transição demográfica com o ritmo lento de crescimento da população.

Os reflexos da pandemia

A pandemia do SARSCOV19 aumentou e acelerou a mortalidade da população brasileira diante dos mais de 700 mil vitimados fatalmente pelo vírus. Isso fez reduzir o número de habitantes acima da média, o que impactou no ritmo de crescimento da população que já estava em queda conforme foi explicado antes.

Em Jales, os mais de 300 óbitos representam 0,6% da população. Mesmo sendo um número bem abaixo do percentual nacional, esse valor somado a taxa de mortalidade média de anos anteriores provoca também a aceleração da queda de crescimento da população em nossa cidade.

A projeção era esperada ou não?

A projeção que resultou nos dados abaixo das estimativas era e não era esperada. Os dados demográficos e os efeitos da pandemia explicados anteriormente já são fatores que explicam a espera do baixo crescimento.

Ainda, o fato da projeção estar 12 anos distante do último Censo e de não ter sido realizada uma contagem populacional prevista para 2015, também contribuiu para a discrepância entre os números, fazendo a projeção com base apenas em números do Censo de 2010 apresentarem defasagens.

Cabe lembrar que o Censo deve ser realizado a cada 10 anos. No entanto, essa regra foi descumprida em 2020 devido a pandemia e em 2021 devido a falta de recursos disponibilizado pelo Governo Federal.

Mas, existe uma corrente de técnicos do próprio IBGE que discordam da metodologia utilizada para projetar a população considerando os dados que o Censo de 2022 havia coletado até o momento que divulgou a número de habitantes dos brasileiros e em seus municípios e estados.

A BBC News Brasil elaborou uma reportagem onde alguns técnicos relatam que “a metodologia nunca foi aplicada em lugar nenhum do mundo” e “estão usando duas metodologias diferentes para tratar entes federados, que são os municípios, de mesmo porte populacional. Então vai ter município que o resultado dele é o Censo e município que o resultado é uma estimativa. Ninguém vai ficar satisfeito e isso vai gerar ações na Justiça”.

Em dezembro de 2022, o IBGE contestou as críticas e continuou atestando sua metodologia.

A realidade de Jales

Quando olhamos com mais cuidado para Jales, existem alguns pontos que são importantes de ser apontados. O município é centro de referência regional, estadual e nacional na área médica com uma ampla rede de atendimento que vai desde consultórios médicos de alta qualificação, rede SAMU e UPA, Santa Casa de Misericórdia e o Hospital de Amor. Esse fator salta a expectativa de vida do jalesense, impacta nos baixos índices de mortalidade e aumenta a quantidade de idosos. Mas, com o aumento da população idosa, a taxa de mortalidade tende crescer quando essa parcela de senis perece a sua saúde naturalmente e vem a óbito.

Na área da educação, Jales conta com excelentes indicadores na rede pública e privada. A taxa de alfabetização entre 18 e 24 é de 68% (11% acima da média estadual) e o IDEB tem nota 6,7 para os anos iniciais do Ensino Fundamental 6,0 para os anos finais do ensino fundamental, destacando-se em nível nacional. Com maior nível de escolaridade, a população passa a planejar naturalmente o tamanho de sua família. Assim, reduz o número de filhos e filhas para conter gastos.

Não cresceu a população, portanto Jales não se desenvolveu?

É totalmente o contrário. Países europeus considerados muito ricos e desenvolvidos, por exemplo, tem apresentado um ritmo de crescimento populacional muito baixo. Em alguns casos, inclusive, já é negativo, ou seja, a população reduz em número absolutos. Portanto, associar o crescimento populacional com o desenvolvimento de uma localidade é totalmente errado.

Gráficos da evolução do crescimento da população de alguns países ricos

O correto é procurar atender plenamente sua população com saúde, emprego, educação, renda, habitação e assistência social, além de proporcionar uma infraestrutura ampla e sustentável que garanta o bem estar dos munícipes.

Gráfico da evolução do total de habitantes em Jales, mostrando a tendência nas últimas décadas de redução do ritmo de crescimento da população

Prof. Msc. Eduardo Britto (Professor de Geografia graduado pela UNESP. Especialista em Gestão Ambiental pela UFSCAR. Mestre em Ensino de Ciências pela UFMS)

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