O Conselho Pleno da Ordem dos Advogados do Brasil reconheceu Esperança Garcia, uma mulher negra escravizada no século XVIII, como a primeira advogada do País.
Ela foi a responsável por um documento encaminhado ao governador da Capitania do Piauí em que denunciava as violências sofridas por crianças e mulheres e cobrava providências do Poder Público.
Esperança foi reconhecida como a primeira advogada do Brasil na última sexta-feira e terá um busto em sua homenagem, a ser instalado na sede do Conselho Federal da OAB, em Brasília.
“Mulher negra e escravizada peticionou ao governador da capitania do Piauí, com o pouco conhecimento que tinha das letras da lei, para denunciar as violências pelas quais ela, suas companheiras e seus filhos passavam. A decisão é absolutamente oportuna, especialmente pela simbologia do mês de novembro, em que se comemora no dia 20 o Dia da Consciência Negra”, disse Beto Simonetti, presidente do órgão.
Em 2017, a seccional da OAB do Piauí já havia reconhecido Esperança como a primeira advogada do estado.
Escravizada no século 18, em Oeiras, no interior do Piauí, Esperança tinha apenas 19 anos quando enviou uma carta ao então governador da Capitania, Gonçalo Lourenço Botelho de Castro. Ela denunciava os maus-tratos que mulheres e crianças sofriam na fazenda em que vivia e pedia que providências fossem tomadas.
A carta de Esperança foi documentada pelo historiador e antropólogo Luiz Mott em 1979 e, desde 1999, o dia 6 de setembro, data de escrita do texto, é o Dia Estadual da Consciência Negra no Piauí. “Reconhecer a Esperança Garcia como primeira advogada negra e dar essa visibilidade à carta é colocar essa população como protagonista da sua história”, diz a historiadora Raquel Costa, que compôs a Comissão Estadual da Verdade e da Escravidão Negra da OAB-PI e fez par- te da construção do dossiê que traz a história de Esperança.
“Tira essa ideia de uma escravidão amenizada, de que esses escravos só sofriam violência e eram passivos diante do sistema. A carta mostra essa subjetividade de uma mulher negra escravizada e protagonista de toda a sua história”, acrescenta. A aprovação do Conselho Federal ao reconhecimento foi anunciada no dia 25.
REPARAÇÃO. Para Élida Fabri- cia, conselheira federal da OAB pelo Estado do Piauí, o reconhecimento de Esperança Garcia é uma reparação histórica. “Isso significa que nós lamentamos todo o sofrimento que foi imposto a essa população historicamente e nós estamos dispostos a buscar instrumentos que viabilizem a pro- moção da igualdade no âmbito da OAB, da advocacia e em toda a sociedade”, explica.
De acordo com o dossiê Esperança Garcia: Símbolo de Resistência na Luta pelo Direito, organizado pela advogada Maria Sueli Rodrigues de Souza e pelo historiador Mairton Celestino da Silva, Esperança Garcia tinha 19 anos quando as terras em que vivia no interior do Piauí foram doadas aos jesuítas e sua família, separada.
Casada desde muito nova, Esperança dividia a vida com o marido também escravizado Ignácio Angola. No entanto, após a fazenda de algodões passar a ter outro dono, ela foi enviada com dois de seus filhos para ser cozinheira em outra casa. Em sua carta, Esperança relata abusos que sofria com suas crianças, além do impedi- mento de se confessar na igreja com outras mulheres.