Semana passada, no aplicativo de músicas que ouço, aleatoriamente tocou “Disparada”, canção de Jair Rodrigues. A gente que é do interior, quase que obviamente já escutou, mas eu parei para ouvir com todo o meu coração. E ouvi várias vezes. E além de me emocionar, enviei para meu terapeuta e amigo o trecho: “Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar, eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar. Aprendi a dizer não, ver a morte sem chorar, e a morte, o destino, tudo, estava fora do lugar, e eu vivo pra consertar…” .
Depois que perdi meu pai, a morte me diz muito sobre a vida. Perder quem se ama e admira, para algumas pessoas, como foi comigo, me ensinou dolorosamente a compreender e aceitar leis universais que regem este mundo, e a morte é uma delas.
Como gente feita de carne e sangue, é necessário viver o luto, questionar, sofrer, frustrar, negar, mas para prosseguir é preciso lucidez e maturidade para aceitar, serenar e agradecer pela presença e oportunidade de ter vivido ao lado de quem se foi.
Não é automático e nem vão cessar a saudade, as lágrimas e os desejos de abraços fortes, risadas sinceras, mãos que corrigem, palavras que direcionam, olhares que orientam. Mas aí a gente tenta ser a extensão dessa experiência, dessa benção, dessa jornada enquanto está vivo. E replica com todo amor e gratidão o que viu, ouviu, sentiu, aprendeu e como se transformou para o mundo. E dá as devidas referências, como quando a gente lê um livro e comenta: isso eu aprendi no livro tal do autor “x”.
As “coisas” que aprendi com meu pai e tudo que recebi dele direi pra sempre: meu pai dizia, meu pai que me ensinou, meu pai que me deu, sou filha do meu pai. Todo o jornalismo que amo há quase 20 anos não aprendi a amar e a fazer na faculdade (com todo respeito), apesar de ter concluído o curso com nota máxima no TCC (junto da minha amiga Vanda Garcia), mas foi aos 17 anos que comecei estagiária no JJ e aprendi fazendo, errando, assistindo, estando e vivendo ao lado do Deonel. Num período em que entrávamos no digital e ele era a inspiração da pura experiência misturada com a inovação, porque ele aceitava as transformações e o novo.
Ele reuniu um monte de gente bacana dentro e fora da redação. Ensinava até quando não estava falando com você. Ele permitia: liguei uma vez do orelhão da delegacia perguntando se eu podia fazer uma matéria sobre maus tratos com os presos e ele disse “faça o que acha que deve ser feito”.
Eu tinha 18 anos. Ele publicou a matéria e na segunda-feira, o delegado ligou pra ele muito bravo (mas muito) e pediu um direito de resposta na próxima edição. E o Deonel achou sensacional o meu feito. E aí, vou contar para vocês, que aprendi meses depois, nas aulas de legislação da faculdade, o que era direito de resposta, e minhas matérias do JJ foram cases para as aulas. Foi com o Deonel que aprendi a amar Mercedes Sosa nas festas legais demais na casa dele. Aprendi a prestar muita atenção e respeitar uma fonte jornalística não somente quando estou trabalhando, mas olhar um entrevistado como outro ser e protegê-lo. A chamar as pessoas pelo nome. Aprendi a amar e apreciar a língua portuguesa. A prestar atenção com o coração nas histórias que nos contam. Entendia que eu evoluía quando após ler algum texto meu, dizia: “Está afiada, hein, garota!’ ou “Muito bom, Aninha, parabéns!”.
Aprendi que “santo de casa faz milagre, sim”, porque até hoje, nenhum jornalista neste “mundo de meu Deus” me causa tanta admiração e respeito como ele. Ele sabe. Ele soube. As coisas que aprendi com Deonel e tudo que recebi dele direi pra sempre: Deonel que dizia, Deonel que me ensinou, sou cria do Deonel e do Jornal de Jales. Me sinto órfã novamente. Não endeuso pessoas, mas amar alguém é saber que todos temos defeitos e honrar as qualidades.
Tem outro trecho de “Disparada” que diz: “Vou pegar minha viola, vou deixar você de lado e vou cantar noutro lugar”. Então, foi. Saudades e gratidão para sempre. Enquanto o para sempre existir.

  • Ana Caparroz (Jornalista jalesense)

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