Eis que 2022 chegou, ainda assustado, cauteloso e ansioso. Mas em fevereiro não tem carnaval. Mesmo cientes da nossa finitude, muito seres humanos procuraram preferiram ignorar esse fato, especialmente a partir da expansão dos valores capitalistas, em que a busca pelo material se sobrepôs as formas transcendentes e alternativas de existência. Pensar esses tempos sombrios se tornou um grande desafio.
Há tempos desenvolvi o hábito de escrever sobre temas diversos, oriundos de inquietudes cotidianas e suas tramas, na pretensa esperança de contribuir para a compreensão do tempo presente. Naqueles rascunhos havia sempre a busca por um sentido de continuidade, divagando nas conexões entre o passado e o vir-a-ser. Desse modo, seguir as trilhas do tempo nos apontava para a conquista do futuro, carregado pelo sentido de desenvolvimento e desfechos com lições promissoras para a sociedade. Seguia a crença de que os esforços intelectuais fossem o impulso de transformação da humanidade, capaz de solucionar nossos problemas, amenizar nossas desigualdades, equilibrar as diferenças culturais e controlar nossa intolerância, bem como tantos outros desafios para construir um homem pleno de justiça e dignidade.
No entanto, após sobrevivermos aos últimos dois anos, pensar onde estamos e para onde vamos, carregados por essa nave chamada novos tempos, traz sentidos confusos ou incapazes de nos nortear como antes, quando acreditávamos na tranquilidade da Razão. Nos vimos, pouco a pouco, diante de monstruosidades desnudadas e, incrédulos, fomos tentados atribuir à pandemia o caos de emoções, angústias e incertezas em relação ao futuro. Fortes abalos sísmicos, capazes de provocar os mais temíveis terremotos viralizaram nos ânimos acirrados e nas paixões descontroladas.
Antes de 2020 não tínhamos noção da dimensão alcançada pela irracionalidade humana, tudo parecia ter ficado distante, afinal, os monstros haviam sido presos nos tempos da Segunda Guerra Mundial. Superamos a polarização da Guerra Fria como evidência de que a racionalidade, apesar dos efeitos questionáveis da globalização, estaria acima de qualquer insanidade. Hoje, com o mundo ameaçado pela fogueira da inquisição pós verdade, temos um ponto crucial para que os intelectuais, particularmente, das Ciências Humanas e Sociais, concentrem esforços para responder a seguinte pergunta: o que aconteceu com a Razão? Uma vez que, ingenuamente (ou não) fomos convencidos à luz dos iluministas do século XVIII e dos próximos que o bem comum era mais forte que eventuais sentimentos primitivos ou desejos nefastos.
Sempre ouvi dizer que viver é uma arte. Mas nunca me deparei com a profundidade da frase, que apesar de carregar o peso do existencialismo, parecia figurar na galeria das frases bonitas que enfeitam perfis de facebook, ao lado de outras centenas de frases. Mas ao adentrar a década de 20 do século XXI, é preciso tirar a expressão prateleira das redes sociais e redimensionar seu sentido atual.
O viver coletivo com suas instituições, seus valores e culturas seduzidas pela ideia de evolução não conseguiu ver a sombra da ignorância que sobrevoava a humanidade. Arrogantes, os detentores da razão humana não perceberam que suas verdades não foram capazes de alcançar a luz no fundo da caverna. No ressurgimento dos tribunais de Santo Ofício, alimentado pela insanidade das paixões ideológicas, nos resta torcer para que o negacionismo apocalíptico que devora a sensatez mundo afora seja contida pela vontade de potência que impulsiona o desejo de viver na paz da diversidade humana.