O tempo pascal possibilita reflexões sobre os desafios da vida, quando somos chamados a remover os entraves que trazemos dentro de nós, a romper as barreiras que podem estar cerceando nossos corações e bloqueando a luz da ressurreição. Para vivermos sempre a nossa Páscoa, precisamos ressignificá-la para a nossa rotina. Nós não precisamos nada de especial, mas ser simples e viver o extraordinário, viver como ressuscitados, experimentando mudanças, por menores que sejam, mas contínuas em nossas vidas. Abrir os olhos para como vemos o mundo, as pessoas e a criação de Deus.
Em uma contextualização com o tempo Pascal e a realidade indígena, faz ressoar o mito fundante do povo Guarani, conhecido como “Yvy Marã ei” – traduzido como Terra Sem Males. Trata-se da história de Guiraypoty e sua família que, para fugir das águas de uma enchente, subiram no telhado de sua casa e, por meio de um canto solene, foram levados até a porta do céu, onde encontraram uma Terra Sem Males, onde as plantas nascem por si próprias, a caça já chega abatida e as pessoas não envelhecem nem morrem. Não há, nesse lugar, sofrimento de espécie alguma.
Que possamos nos inspirar nos Guaranis para construir esperança em nossa Páscoa diária, onde nossos sonhos crescem, por um mundo mais humano, um novo mundo de paz e humildade, serviço e justiça, enfim, uma Terra Sem Males para todos os Homens de boa vontade.
Para que isto aconteça, precisamos remover os entraves que trazemos dentro de nós, a romper as barreiras e preconceitos que podem estar cerceando nossos corações e bloqueando a luz da ressurreição. Usando uma reflexão da Adélia Prado, famosa poetisa mineira, de intensa vivência católica: “Se você não pode tocar uma pessoa, mude o olhar para essa pessoa, é uma experiência profunda de relação humana. Se a gente não fizer mais nada nessa vida e fizer isso, você cumpriu o seu destino humano de significação e sentido. ”
O que merece um outro olhar, para que a Páscoa seja rotina em nossas vidas? E nesse universo que requer olhares que buscam conhecer tantas realidades, chama-nos a atenção nossos povos originários, que entre eles, carregam a admirável sabedoria Guarani da “Terra Sem Males”. Aqueles mesmos que estavam aqui antes da chegada dos europeus — os indígenas do Brasil, que sofreram processos violentos o tempo todo ao longo desses 500 anos. Vítimas de genocídio em decorrência de doenças ou violência física, da morte cultural e de conhecimentos. Apesar de o país reconhecer os povos originários por meio da lei, pela Constituição de 1988, quando os indígenas adquiriram direitos civis, ainda assim não são aceitos. Pelo contrário, são alvo de discriminação por parte da sociedade. Houve nas últimas décadas o sucateamento das políticas voltadas à educação e à saúde desse público. Mas uma questão fundamental é o direito à terra e desde 2018, nenhum processo de demarcação – dos 248 que estão em andamento na FUNAI – foram concluídos.
A questão da posse da terra indígena é que permite aos indígenas terem direitos sobre suas terras ancestrais e assim preservar sua cultura e tradições, bem como aumentar sua qualidade de vida. E é importante destacar que os povos indígenas são os maiores conservadores da floresta, dos rios e da biodiversidade. Seus territórios são alguns dos lugares mais bem conservados no mundo.
Se de um lado da confrontação da terra indígena passa pelo reconhecimento e demarcação de território, de outro lado, há um aumento de invasões em terras indígenas já estabelecidas. Os motivos são a exploração ilegal de madeira/desmatamento, atividades de garimpo e exploração mineral, atividades agropecuárias (soja, milho e gado), incêndios, pesca predatória e grilagem/loteamento ilegal.
Então torna-se claro diante das circunstâncias, que os legítimos donos dessa terra chamada Brasil, estão em luta constante pela “Terra Prometida” tal qual a que conhecemos na literatura bíblica, no livro de Reis. Que os povos originários alcancem a “Terra Prometida” e que de fato, seja a “Terra Sem Males”, para todos nós, irmãos.
Pe. Eduardo Alves de Lima
(Coordenador Diocesano de Pastoral)