Se você é mulher branca, classe média ou alta, faz atendimento médico particular ou com convênio considerado bom pelos médicos durante a gestação e não é mãe-solo, ou seja, tem um parceiro sempre presente, muito provavelmente você desconhece a violência obstétrica.
Entretanto, se você for mulher afrodescedente, classe baixa, atendida pelo serviço público de Saúde ou por convênios que remuneram mal os profissionais envolvidos, mas especialmente se não tem um pai parceiro e presente, certamente você é séria candidata a passar por esse problema que afeta uma entre quatro mulheres no Brasil, segundo relatório recente da ONU – Organização das Nações Unidas.
O termo “violência obstétrica”, introduzido no Brasil apenas no século 21, mas cuja prática é secular, significa que a gestante sofre ou sofreu qualquer tipo de abuso, desrespeito, maus tratos e negligência durante a assistência ao parto e pós-parto nas instituições de saúde.
Esse tipo de violência envolve a violação da confiança entre as mulheres e suas equipes de saúde, bem como o desestímulo para que a gestantes busquem todos os serviços de assistência obstétrica a que têm direito. Importante: essa violência não se limita apenas à gravidez, mas ocorre também durante o parto e no pós-parto, o chamado puerpério, período de grande fragilidade da mulher ainda.
Como saber se uma gestante foi ou está sendo vítima de abuso obstétrico? Não é difícil. Se a gestante sofre qualquer tipo de discriminação no atendimento de saúde devido a sua idade, raça, classe social ou condições médicas, ela está sofrendo violência obstétrica.
Se qualquer profissional da equipe de saúde recusa oferta de tratamentos à gestante ou ao bebê, ou mesmo sonega informações sobre os procedimentos médicos, essa mulher está sofrendo violência obstétrica.
Algumas outras formas dessa violência são: abuso físico, sexual ou verbal; intimidação ou agressão verbal, negligenciamento de tratamentos, procedimentos desnecessários ou não autorizados pela gestante e desrespeito a qualquer decisão da paciente. Resumindo, violência obstétrica é tudo o que causa trauma na gestante.
Há casos extremos, como o da gestante Queli Santos Adorno, de 35 anos, que no final de março passado deu à luz no chão de uma maternidade em Santa Cruz da Serra, em Duque de Caxias (RJ), após uma médica se recusar a interná-la mesmo a paciente estando em trabalho de parto.
Com a recusa da internação, Queli teve o filho caída no chão da recepção do hospital. Em entrevista, a paciente disse que “se sentiu um bicho”. Mas Queli sofreu outra violência após o parto. Quando seus familiares procuraram a delegacia para registrar um boletim de ocorrência contra a médica, receberam outra recusa: os policiais não aceitaram registrar a queixa, ou seja, a violência obstétrica pode se estender a outros tipos de violência enraigadas numa sociedade patriarcal, machista e misógina.
Quando deixamos de ser humanos?
Ayne Regina Gonçalves Salviano
(Jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica, com MBA em Gestão)