As reflexões que temos desenvolvido neste espaço sobre a importância de compreendermos os fundamentos de uma cosmovisão têm nos levado a pensar no aspecto prático. Para resumir e atualizar o que já escrevi nos artigos anteriores sobre o tema vimos que toda a Bíblia deve ser lida e interpretada sob a ótica da criação, queda e redenção. Vimos também que o mundo pode ser redimido (não totalmente, mas em parte) das consequências da queda através de atos redentivos como resposta de gratidão à graça recebida de Deus. Estes atos redentivos envolvem a vivência integral cristã em todas as atividades da construção humana redirecionando a glória da criação ao único que a merece. Isto significa dizer, mais uma vez, que a prática da vida cristã não se resume aos domingos quando frequentamos um culto na igreja, mas em todos os espaços pelos quais a pessoa tenha que atuar, “na cozinha e no quarto, no palco e no ar, na sala de aula e na oficina”, conforme esclareceu Al Wolters; em todos os lugares, somos chamados para honrarmos os padrões de Deus.
Este desafio de honrar a Deus em todas as esferas existe porque a vida do cristão é interpretada à luz de duas grandes realidades. A primeira aponta para a soberania de Deus, ou seja, o reconhecimento de que ele é Senhor absoluto da vida, revelando em sua Palavra o modo pelo qual seus servos devem viver e em que devem crer. Assim, o Criador não é mais visto como a caricatura expressa pela religiosidade popular, seja na figura de um Deus nervoso e briguento, sempre pronto a atirar um raio para punir a humanidade por qualquer deslize, seja na figura de um paizão que se assemelha ao Papai Noel, sempre pronto a conceder presentes e a passar a mãozinha na cabeça de pessoas renitentes. Jesus disse enfaticamente: “Por que vocês me chamam ‘Senhor, Senhor’ e não fazem o que eu digo?” (Lucas 6.46). Veja que Jesus está dizendo que o reconhecimento do seu senhorio deve ser seguido de atos de obediência ao que ele ensina. “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama” (João 14.21), ele afirma em outro discurso.
Reconhecer Deus como Senhor soberano da vida conduz, necessariamente, ao entendimento de que a situação atual do mundo que sofre os efeitos da queda pode ser transformada por causa da proposta de restauração do evangelho de Cristo que reconcilia consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus (Colossenses 1.20). Justamente por isso, o cristianismo centrado na prática da Palavra de Deus não se preocupa apenas com a vida após a morte (isso é alienação) e nem somente com a vida sobre a terra (isso é materialismo), mas em como amar e servir a Deus no mundo de forma que todas as coisas que antes foram manchadas e contaminadas pelo pecado sejam redirecionadas ao Criador e, através delas, Deus seja glorificado em cada atividade humana.
Neste sentido, o teólogo Leandro Lima escreveu que a vivência cristã participativa neste mundo “não pode excluir parte nenhuma da criação do interesse divino. Assim, as artes, a economia, a política, a educação, a literatura, etc, pertencem ao domínio de Deus e são alvo da religião”, ou seja, a criação corrompida e desordenada precisa ser redirecionada à glória de Deus através da compreensão dos servos de Deus de que estamos neste mundo para amar e servir ao Senhor em toas as esferas da vida. Este é o grande paradoxo: o mundo sofre por causa dos efeitos do pecado, mas ainda pode ser redirecionado a Deus.
Ao final de tudo percebe-se que o exercício da vida cristã diz respeito ao relacionamento com Deus, com o homem, com o mundo, consigo mesmo e com a natureza. Que tal, portanto, analisar cada um destes relacionamentos sob a ótica da Palavra de Deus?
Rev. Onildo de Moraes Rezende
Pastor da Igreja Presbiteriana de Jales, Bacharel em Teologia, Licenciado em Pedagogia, Pós-Graduado em Docência Universitária, Mestre em Aconselhamento