Apesar da trágica situação de hoje em dia, que desvela a relevância do tema a ser tratado aqui, parece não estar muito em voga que se pondere a respeito das virtudes. Inclusive, quem se atreve a fazê-lo corre o risco de ser taxado de antiquado ou anacrônico, piegas talvez. Fico a refletir sobre o assombro que teria, se vivesse em nossa época, o grande filósofo cristão São Tomás de Aquino que, melhor do que ninguém, soube discorrer sobre as virtudes, cuja importância desde há muito expõe a necessidade do ser humano sempre buscá-las, a fim de que se melhore a própria vida.
Para o santo filósofo medieval, as principais virtudes que devemos cultivar são as cardeais, que são assim denominadas porque, a partir delas, outras virtudes vão sendo geradas no espírito humano. São elas a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança. A primeira é a reta razão do agir, isto é, o discernimento para a escolha do bem e como melhor realizá-lo. A segunda denomina toda retidão que regula os atos humanos, que estabelece harmonia e igualdade em prol das pessoas e do bem comum. A terceira é toda constância e força da alma contra o ataque de qualquer mal. Por último, a temperança é a virtude que modera a fascinação pelos prazeres e procura o equilíbrio no uso dos bens criados.
Foquemos nosso ponto de vista na última das virtudes porque, com o desenvolvimento desenfreado dos bens materiais e tecnológicos, especialmente os digitais, com forte impacto da internet e das mídias sociais na vida do ser humano, a destemperança ou a falta de equilíbrio no uso correto desses recursos, tem prejudicado gerações tanto pelo aspecto da saúde física, mental, emocional e social, como pelos aspectos comportamentais, desnudando uma sociedade desorientada e, ao mesmo tempo, deseducada, pelo excesso ou pela falta de informações e valores corretos. O pior de tudo, são as eclosões dos radicalismos ideológicos e da ignorância generalizada em todos os setores.
Não é de agora que a destemperança vem causando grandes prejuízos à busca de uma qualidade de vida ideal para as pessoas. Não precisamos destacar que sua principal influência se encontra no campo dos relacionamentos, mas ela reina absoluta, sem opositores, em todos os campos da atividade humana. A começar pelo trabalho e o estudo, cuja paixão sobrepõe-se a todos os outros, haja vista o excesso de horas dedicadas, motivadas principalmente pela ganância e pela ambição humanas. Quanto à família, o destempero é geral, causado pela falta ou excesso de valores caros ao convívio humano, cujos reflexos sobressaltam-nos aos olhos, sobretudo pelo descaso ou pela negligência preponderantes hoje em dia.
No âmbito do lazer, do ponto de vista geral, o nível de divertimento e de satisfação pessoais encontra-se no abismo da imoralidade. Neste aspecto, observa-se que a destemperança se manifesta principalmente em relação ao financeiro, porque lazer de qualidade é caro e um bem acessível a poucos. No que tange aos aspectos da espiritualidade, não precisamos lembrar que historicamente as religiões têm exercido grande influência na construção de ideologias radicais e fundamentalistas, tendendo sempre ao extremismo, excluindo-se mutuamente umas das outras. Salvo exceções de raro equilíbrio, ainda vemos por aí muitos fanáticos carregando livros considerados sagrados debaixo do braço, porém com atitudes suspeitas, abertamente discriminatórias e retrógradas. Além disso, temos a proliferação de pessoas ateístas, que renegam os benefícios comprovados da espiritualidade.
Observemos a grande harmonia da natureza, onde reina a ordem e o equilíbrio das forças que fazem eclodir toda manifestação da vida, seja ela qual for. Nem muita luz, nem muita treva, nem muito frio nem muito calor, o clima ideal do outono. Há momentos em que precisamos nos posicionar, mas o caminho do meio na maioria das vezes não nos induz ao erro. Consideremos o imperativo do equilíbrio ou da temperança como a virtude a ser mais cultivada no dia a dia, porque sem ela aniquila-se a própria vida. Ela é fonte da sabedoria para corrigir os excessos e guiar os passos do ser humano para uma vida mais feliz para si e para os outros.
Marcos Humberto Paulon de Lima
(É educador há 34 anos. Atualmente, é coordenador pedagógico da EE. Prof. Akió Satoru em Urânia/SP. Publicou dois livros: “A dinâmica da aula” e “O estudante feliz”)