O Corinthians, time de futebol com a segunda maior torcida do Brasil (perdendo apenas para o Flamengo), contratou, no dia 20 de abril, o técnico Cuca, ex-São Paulo, Grêmio, Flamengo, Botafogo, Santos, Fluminense, Palmeiras, Atlético Mineiro, entre outras equipes, grandes e pequenas.
Só que diferente das outras vezes, a chegada do técnico ao time não foi pacífica. O motivo? Manifestações por parte dos torcedores que não querem um estuprador comandando o timão. Escrevi “estuprador” e não “acusado de estupro” porque a sentença já saiu, Cuca foi condenado, mas nunca foi preso.
Para quem não conhece o caso, usarei informações da mídia da época para fazer essa retrospectiva. Em 1987, depois de o Grêmio vencer o Benfica, de Portugal, na Philips Cup, na cidade de Berna, na Suíça, a garota Sandra Pfäffi, de 13 anos, foi para a porta do Hotel Metropole tentar ganhar uma camiseta como souvenir.
Levada por dois jogadores (Eduardo Hamester e Fernando Castoldi) ao quarto 204, a situação chamou a atenção de Henrique Etges e Alexi Stival (Cuca). Todos entraram. Fecharam a porta. E Sandra foi estuprada por 30 minutos depois de imobilizada. Dois homens a violaram, enquanto outros dois a acariciavam e seguravam.
Após o terror, Sandra foi à polícia e a equipe, aos treinos. Henrique e Eduardo foram presos naquela noite. No dia seguinte, toda a delegação do Grêmio foi convocada para reconhecimento dos demais envolvidos através de um espelho falso. A vítima identificou Cuca como um dos violentadores e, no processo, consta que foi encontrado material genético dele dentro dela.
Os jogadores Henrique, Eduardo, Cuca e Fernando ficaram 28 dias presos na Suíça, sob a acusação de estupro, cada um em uma cela distinta e incomunicáveis – exceto por advogados – até o fim do inquérito, conforme a legislação do país.
Comitivas, advogados, Itamaraty, Embaixada, até João Havelange, à época o brasileiro que comandava a FIFA, tentaram intervir para livrar os homens com idade entre 21 e 24 anos. O fato ganhou destaque no noticiário internacional.
Depois de 28 dias presos, os jogadores foram liberados. Pagaram fiança para aguardar o julgamento e uma indenização à garota porque admitiram a culpa. No final do processo, foram condenados, mas nunca cumpriram a pena porque já estavam no Brasil. Sandra tentou o suicídio aos 15 anos.
Se tudo isso já não fosse o suficiente para Cuca se aposentar e poupar a família de tudo o que tem sido divulgado pela mídia novamente, em entrevistas durante a semana, ele afirmou que não esteve envolvido no caso, mesmo depois de desmentido pelo advogado da garota suíça.
O time feminino do Corinthians se manifestou em publicação denominada “Respeita as mina”, numa referência clara à necessidade de o clube não compactuar com a violência contra as mulheres.
Entre o dia que escrevo esse artigo e a data que ele será publicado pode ser que aconteça uma mudança e o Corinthians dispense o técnico. Ou não.
A verdade é que, na cultura do estupro vigente no país, a culpa continua sendo da vítima. Mas eu fico aqui sonhando: seria incrível se um time com a história do Corinthians pudesse fortalecer a luta contra a violência com as mulheres, não é mesmo?
- Ayne Regina Gonçalves Salviano (É jornalista e professora. Mestre em Comunicação e Semiótica. Empresária no setor de educação em Araçatuba e Birigui)