Pode-se afirmar que, por décadas o poder judiciário contribuiu para uma distorção histórica a respeito de demandas que envolviam eventos adversos oriundos da área da saúde. A terminologia “erro médico”, no contexto judicial, era usada para categorizar, de forma genérica processos que envolviam todos os eventos adversos da prestação de serviço de saúde, independente das partes, tais como: hospitais (privados e públicos), profissionais de diversas áreas da saúde, eventos acidentais em meio hospitalar, pedidos de danos morais, materiais e extrapatrimoniais.
Tendo em vista a categoria médica no epicentro dessa classificação, em meio a atual realidade social que é fomentada, massivamente, pelos meios de comunicação, permitiu transmitir uma percepção presumida de preconceito e parcialidade contra a classe médica. O termo “erro médico” usado de forma desenfreada pela sociedade e ratificado pelo poder judiciário, consequentemente, denotava um pré-julgamento que estava depreciando a classe desses profissionais.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) faz uso de Tabelas Processuais Unificadas (TPU), como forma de uniformização dos temas das demandas judiciais. Se trata de um importante instrumento que lhes oferece subsídios para análise de elementos quantitativos das demandas, bem como, um facilitador de pesquisas feita tanto pelo poder judiciário quanto pela sociedade como um todo.
Recentemente, no dia 09/01/2024, o Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do CNJ acolheu o pedido das entidades médicas e do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), alterando a nomenclatura utilizada pela Tabela Processual Unificada do Poder Judiciário. Por conseguinte, os assuntos enquadrados sob a terminologia de “erro médico”, foram reclassificados como “danos morais e/ou materiais decorrentes da prestação de serviços de saúde”.
Sem dúvida é um grande avanço para a imagem da classe médica, pois a substituição da nomenclatura retira a presunção de culpa dos médicos de uma série de falhas assistenciais demandadas, e automaticamente perante a sociedade, de forma pedagógica, instrui sobre a visão sistêmica necessária a respeito de serviços de saúde.
A mudança foi significativa e necessária, porém a terminologia ainda não fez a devida adequação que Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta, que seria “eventos adversos em saúde”. Ao reclassificar para “danos morais e/ou materiais decorrentes da prestação de saúde”, acaba por excluir outros tipos de danos extrapatrimoniais, todavia já é um grande avanço para correção dos desequilíbrios na percepção e na interpretação dos fatos.
Acrescentando, o Presidente do CFM, José Hiran Galho, expõe seu entendimento no sentido que, é um passo importante para corrigir falhas históricas: “Cabe ao médico atuar com o melhor de sua técnica e sempre de forma ética, no entanto a Tabela Processual Unificada com a antiga classificação contribuía para que o médico, que muitas vezes trabalha sem condições adequadas, fosse visto como a causa de falhas que devem ser cobradas de gestores, por exemplo”.
Cumpre ressaltar que a única profissão a qual era vinculado o termo “erro” era a dos Médicos, denotando um pré-julgamento de uma conduta culposa por parte desses profissionais. Pode-se inferir que, um desfecho desfavorável em atendimento de saúde não é sinônimo de “erro” praticado, exclusivamente, por um profissional da medicina.
A Medicina e a Saúde não são uma ciência exata e exige uma visão sistêmica, pois a existência de um evento adverso envolve a instituição hospitalar ou de pronto atendimento, a infraestrutura, equipamentos, medicamentos adequados, o envolvimento multiprofissional da área da saúde, dentre outros fatores e, que devem ser analisados casuisticamente.
O termo defasado além de levar a desinformação a população, distorcia a percepção e interpretação dos fatos, sendo considerado injusto e inadequado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).
Diante das considerações aduzidas, conclui-se que a denominação “danos materiais e/ou morais decorrente da prestação de serviços de saúde”, mais compreensível por “evento adverso em saúde”, dará direito a uma análise imparcial dos eventos ocorridos durante o tratamento médico, em consequência uma reeducação popular promovendo juridicamente uma visão mais ampla e menos preconceituosa.
Dra. Amanda Pires da Costa
(Advogada – OAB-512541/SP). Pós-Graduanda em Direito Médico. Pós-Graduada em Constelação Sistêmica Organizacional e Familiar)