O teólogo Leonardo Boff escreveu certa vez: “Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um ponto”.
Lembrei disso essa semana, passando as compras pelo caixa de um supermercado, quando um empacotador, moço novo, vendo minha filha adulta com um curativo no rosto, perguntou com compaixão: “Apanhou?”
Ela pensou que ele estivesse brincando, só tentando puxar conversa. Mas mesmo assim respondeu que não, tinha passado apenas por uma cirurgia recente.
O rapaz ainda insistiu: “tem certeza que não apanhou”? A impressão que eu tive é que ele estava se mostrando solidário, vendo se ela precisava de algo. Ela agradeceu a preocupação e o tranquilizou.
Já no estacionamento, perguntei a ela: Por que você acha que ele te perguntou se você apanhou? Ela não sabia. Tenho um palpite. Talvez, no universo dele, as mulheres com curativos no rosto, na grande maioria das vezes, sejam vítimas de violência.
Mas aqui quero deixar algo bem claro: a violência contra as mulheres acontece, infelizmente, em todas as camadas sociais. A diferença é que os mais abastados abafam os casos, têm medo dos escândalos, não querem comprometer o status social.
Sim, “cada um lê o mundo com os olhos que tem”. Por isso, talvez, a classe média brasileira – de direita e de esquerda – tenha se rebelado contra a cobrança de impostos sobre as compras importadas cujas empresas sonegam milhões.
Pela lente turva da sua visão de mundo, essa parte da população prefere adquirir peças baratas, de qualidade duvidosa, mesmo sabendo que a sua economia acarreta trabalho análogo à escravidão e, em curto prazo, prejudica o empresário brasileiro, que paga impostos caros, mas se vê obrigado a fechar o seu negócio depois de demitir seus funcionários – causando o desemprego – porque não tem como concorrer com os fraudadores.
Talvez também seja por enxergar o mundo apenas com seus olhos que boa parte da população acredita que colocar policiais armados na porta das escolas acabará com a violência dentro dela. Para essas pessoas, a violência é fruto de um só indivíduo, que surta e mata inocentes.
Novamente porque as lentes não estão claras, não percebem que esses ataques são consequência de uma construção social, alimentada diariamente por discursos de ódio, intolerância, falta de punições rápidas e exemplares, e, mais recentemente, com a apologia às armas.
Minha experiência como professora por mais de 30 anos me permite arriscar outros palpites: a violência que ocorre dentro das escolas nasce na sociedade, que não se informa e é levada, como manada, a acreditar em mentiras e ódio.
A violência que acontece dentro das escolas é alimentada por discursos de pessoas violentas, que não valorizam os professores nem os demais profissionais da Educação.
A violência cresce nas escolas com crianças e jovens emocionalmente desestruturados, psicologicamente abandonados, sem educação de valores, nem conhecimento das leis ou princípios religiosos.
São crianças e adolescentes que aprendem sozinhos, na internet (e não na escola), sobre assuntos para os quais não têm maturidade, com drogas, pornografia e discursos nazifascistas.
Sob o meu humilde olhar, a violência nas escolas só vai acabar quando a família assumir o seu papel de educadora de verdade. Quando a sociedade entender que escola é acolhimento e conhecimento, nunca lugar de balbúrdia e drogados.
Especialmente quando equipes multidisciplinares de Saúde (com psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais) estiverem nas escolas para identificarem e tratarem os jovens.
E, também, quando as forças policiais e a Justiça fizerem as leis valerem de forma rápida e exemplar. A tarefa é dura. O trabalho é longo. Mas é preciso começar agora.

  • Ayne Regina Gonçalves Salviano (É jornalista e professora. Mestre em Comunicação e Semiótica. Empresária no setor de educação em Araçatuba e Birigui)

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