Se você está preocupado com o desenrolar democrático dos tempos presentes, se considera que o tecido social vem se esgarçando, se às vezes é tomado pela inquietação de contribuir de forma mais efetiva para o futuro do Brasil, se tem a aspiração de deixar um país melhor para seus filhos, sobrinhos e netos, se às vezes sente a preocupação com a capacidade de leitura e reflexão das novas gerações, há uma ação acessível que pode contribuir – a rigor, pode ser decisiva – em todas essas frentes: assinar um jornal impresso. Se for possível, faça-o no plural: assine vários jornais impressos.
Colocar a edição diária de um jornal à disposição – em casa, no escritório, no consultório, na biblioteca, na sala de aula, na sorveteria, no café, no bar, na livraria, na natação, na recepção do edifício, na espera do restaurante, no clube, na academia, na lavanderia – contribui para a ocorrência de um duplo processo extremamente poderoso: mais pessoas em contato com informação confiável, apurada e checada com método, e mais pessoas em diálogo com a vanguarda de pensamento de uma sociedade e com sua compreensão crítica. Aparentemente corriqueira, a ação de deixar disponível um jornal impresso é expressão de genuína responsabilidade social. Deveria ser vista como um símbolo forte de cidadania e de resistência democrática. Ou pode haver compromisso efetivo com o coletivo sem conhecimento qualificado do tempo presente?
Em 2021, o Prêmio Nobel da Paz foi concedido a dois jornalistas – Maria Ressa, das Filipinas, e Dmitry Muratov, da Rússia – por suas trajetórias em defesa da liberdade de expressão e da democracia. Foi uma homenagem merecida. Não há democracia sem jornalismo. Não há jornalismo sem jornalistas. Atualmente, no mundo inteiro, todos os ataques à democracia são acompanhados de ataques ao jornalismo e a seus profissionais.
Mas há também outro aspecto fundamental na defesa da imprensa: não há jornalismo sem leitores. Isso não significa, como postulam alguns, transformar os jornais em pirulitos agradáveis ao paladar do leitor. Tal mutação mataria a essência do jornalismo, que é expor o mundo tal como ele é, e não como desejaríamos que ele fosse. O ponto é outro. Não há jornalismo se não formamos novos leitores de jornais.
A tarefa de valorização do jornalismo exige desenvolver o hábito da leitura de jornal. Não há mágica. A contribuição do jornalismo à democracia só será efetiva se as novas gerações lerem jornal todos os dias. Não basta produzir conteúdo de qualidade. Esse conteúdo precisa chegar às pessoas: ser assimilado, debatido e criticado por elas.
Na formação das novas gerações de leitores, o jornal impresso tem uma missão insubstituível. Desejamos que nossos filhos, sobrinhos e netos desenvolvam o hábito de leitura diária de jornais? Certamente, pode ajudar ter, em nossa sala de estar, a edição impressa de um jornal ou, melhor ainda, de vários deles. Assim, nossos familiares e amigos poderão interessar-se e também ler; poderemos conversar sobre as matérias; cada um poderá formular, amadurecer e questionar sua percepção pessoal sobre os diferentes assuntos.
Mas – dirão alguns – meus filhos, sobrinhos e netos já acessam conteúdo jornalístico pelo celular. Leem notícias pelas redes sociais. Sim, tudo isso é muito bom, mas é o nível mais superficial de convívio com o jornalismo. Nada substitui a experiência da edição impressa do jornal, que coloca o leitor em contato com seções e notícias que a princípio não lhe interessariam, que lhe oferecem, desde a primeira página, uma proposta de síntese e sentido sobre o dia anterior. O jornal impresso é a plataforma que mais facilita a leitura integral e atenta dos textos, potencializando sua compreensão.
É verdade que a edição diária completa pode ser vista, tal como está no impresso, no tablet. Mas tem uma pequena (e decisiva) diferença. O tablet é pessoal. Em geral, outras pessoas da família não manuseiam seu tablet. Ou seja, ter o jornal no tablet é espetacular, mas não desperta novos leitores. Assim como o livro em papel, o jornal impresso tem uma dimensão coletiva, compartilhável, sempre à disposição de mais uma pessoa que pode se interessar e, quem sabe, ler num dia e no outro e no outro.
Não privemos as novas gerações desse bem imenso que muitos de nós tivemos em casa desde cedo – o jornal impresso – e teve tanta relevância em nossa formação, em nossa visão de mundo, em despertar o interesse por outros temas. Não é dinheiro perdido. É investimento direto em nossa família, em nossa sociedade, em nosso país.
Podemos e devemos criticar os jornais. Trata-se de hábito muito saudável. Mas não abandonemos sua leitura, não os desqualifiquemos. Ainda que imperfeitos, eles são instrumentos necessários para compreender de forma qualificada, não simplista, a sociedade contemporânea. Se queremos ser mais críticos, mais autônomos, mais democráticos, além de ler diariamente vários jornais, o caminho é formar novas gerações de leitores – e o jornal impresso pode ser um grande aliado nessa caminhada.

Nicolau da Rocha Cavalcanti
(Advogado, jornalista e membro do Instituto Internacional de Ciências Sociais – IICS)

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