Tenho por hábito, todas as vezes que leio um bom livro ou assisto a um filme interessante, compartilhar essa indicação com familiares, amigos, alunos e conhecidos. Faço isso em conversas pessoais ou nas minhas redes sociais por meio de uma breve resenha informativa-opinativa onde, geralmente, uso a fotografia comercial da obra para facilitar a identificação do meu público.
Foi o que aconteceu quando terminei de ler “Holocausto Brasileiro”, de Daniela Arbex. No livro, a jornalista premiada relata a história do manicômio de Barbacena, em Minas Gerais, onde mais de 60 mil brasileiros morreram por maus tratos nos anos 1903-1970.
Minutos depois de publicar as informações nas minhas redes sociais com a foto da capa do livro (homens e mulheres nus, subnutridos, abandonados à sorte e à morte), fui informada por uma rede social (que começa com I) que meu conteúdo tinha sido removido porque feria “os termos de uso” da plataforma.
Demorei alguns minutos para entender que a imagem tinha sido retirada por conta de nudez. Sim, havia a foto de pessoas nuas porque era assim que os internados eram mantidos naquele hospital psiquiátrico.
Como a Inteligência Artificial da plataforma não diferencia a nudez dos povos originários, dos doentes mentais, dos corpos desovados daquela outra nudez sensual/sexual, tudo é retirado (ou pelo menos deveria, mas sabemos que isso não acontece em todos os casos).
Por conta desse episódio particular que vivenciei é que me causa espanto as empresas de tecnologia, conhecidas por big techs, afirmarem que, se aprovado, o Projeto de Lei 2630, conhecido como PL das Fake News, que está para ser votado no Congresso, será de difícil implementação uma vez que elas, as plataformas, não conseguem controlar tudo o que é publicado.
No documentário “O dilema das redes”, especialistas que construíram e trabalharam nas redes sociais afirmam que em busca do lucro gerado pelo engajamento nas publicações as big techs até priorizam, muitas vezes, conteúdos que são considerados crimes no país, como discursos de ódio, ações nazifascistas e movimentos antidemocráticos, apenas para citar os mais difundidos. Mas também há pornografia, automutilação, racismo, feminicídio e uma lista de outras barbaridades.
É bem verdade que o PL 2630 é complexo. Os apoiadores afirmam que essa regulamentação é necessária para coibir os discursos de ódio, os crimes como o planejamento de assassinatos em escolas e até os atos antidemocráticos, como os ocorridos em 8 de janeiro em Brasília. Mas a regulamentação também é vista como cerceamento da liberdade de expressão.
Esse argumento, particularmente, não me convence. No Brasil, a liberdade de expressão não é ampla, nem geral e tampouco irrestrita. Aqui ela precisa respeitar as leis. Tudo o que for dito, escrito e publicado e que ferir as leis brasileiras são passíveis de punição diante da Justiça, após a divulgação. Sim, porque a censura também é proibida no Brasil.
Mas o que me preocupa é quem vai fiscalizar as publicações. Óbvio que não podemos ter um “Ministério da Verdade”, referência à obra “1984”, de George Orwell. Nessa ficção, o governo vigiava os veículos de comunicação apagando as verdades e criando mentiras para dominar a população. Não, certamente não é isso que a sociedade brasileira deve querer. Que venham os debates sem fake news.

  • Ayne Regina Gonçalves Salviano (É jornalista e professora. Mestre em Comunicação e Semiótica. Empresária no setor de educação em Araçatuba e Birigui)

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