A mulher, de corpo miúdo, mal consegue segurar a enxada, mas insiste em cavoucar a lama que atola seus pés descalços até o tornozelo. Ela está procurando a filha, de 20 anos, no meio dos entulhos que a montanha trouxe abaixo quando despencou com a chuvarada em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, na última terça-feira.
Exausta, a mulher miúda e sozinha diz ao repórter que tem fé de encontrar a filha ainda viva, mesmo depois de muitas horas após o soterramento. Entrevistada dois dias depois, ela ainda busca pelo corpo da filha, para dar “um enterro digno”, diz agora mais exausta.
A mesma frase foi usada por um homem que, com as próprias mãos, revirava a lama em busca da esposa e do filho. Da casa não havia nem sinal. Ele não tinha ninguém para ajudá-lo. Contou que os bombeiros até foram ao local, mas não ficaram muito tempo. Em outras áreas havia mais esperança e menos gente. Aquele homem só queria encontrar os corpos que a tempestade enterrou.
No outro lado da cidade, dois ônibus foram engolidos pela enxurrada e arrastados para o meio do riozinho – naquela hora gigante – que corta Petrópolis. Gabriel, 15 anos, estava em um deles. Tinha ido trocar uma mochila no centro. Ágil, ele conseguiu chegar ao teto e tentava se equilibrar buscando saída onde só tinha correnteza.
As cenas são chocantes. Em minutos, muitos que tinham conseguido sair dos veículos foram caindo na água barrenta e sendo arrastados. Gabriel também foi carregado pela correnteza quando o ônibus afundou. Seu corpo ainda não havia sido encontrado enquanto escrevo.
Eles têm ocorrido no mundo todo com mais frequência nos últimos anos e a tendência, segundos os especialistas, é piorar porque eles são o resultado do aquecimento global.
Desde a Revolução Industrial, quando os humanos passaram a poluir de forma destruidora o planeta, nosso risco de morte aumenta a cada dia. Há quem não acredite nisso, infelizmente. Pior, há líderes políticos que continuam acelerando o processo em nome da economia e outros permitindo o desmatamento achando que nada sairá errado.
Esse tipo de gente tem culpa pelos quase 200 mortos de Petrópolis. O que aconteceu lá foi a união de uma tragédia ambiental com descaso político e social. É preciso repetir para quem não quer entender: as pessoas não moram nas periferias das cidades, perto ou nas encostas, porque desejam.
Elas são expulsas para lá pela falta de uma política pública de habitação. A culpa é do Estado. Quem afirma isso é a nossa Constituição. E tão ruim quanto a falta de políticas públicas de habitação é a falta de fiscalização, que não impede as construções irregulares. A responsabilidade da fiscalização também é do governo.
Para realizar tudo isso é preciso um outro tipo de político. É preciso alguém que se preocupe com a preservação do meio ambiente e da vida humana. Que acredite na ciência e que invista no conhecimento. Ainda bem que tem eleições esse ano.
- Ayne Regina Gonçalves Salviano (É jornalista, professora mestre em Comunicação e Semiótica. Empresária no ramo da Educação em Araçatuba e Birigui