No ano passado, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça elaborou um protocolo para julgamento de processos, com perspectiva de gênero, aplicável inclusive em processos trabalhistas, e que pode ser encontrado neste link: protocolo-para-julgamento-com-perspectiva-de-genero-cnj-24-03-2022.pdf
Desse modo, o CNJ recomendou aos Juízes do Trabalho, por exemplo, em sua atuação judicial, que quando tiverem que julgar um processo com perspectiva de gênero, lembrem “que a ocorrência da violência ou do assédio normalmente se dá de forma clandestina, o que pode ensejar uma readequação da distribuição do ônus probatório, bem como a consideração do depoimento pessoal da vítima e da relevância de prova indiciária e indireta”.
No referido protocolo esclareceu-se que “as hipóteses de discriminação na Justiça do Trabalho são amplas e variadas, e acontecem em todas as fases da relação contratual, ou seja, na fase pré-contratual, de anúncio/seleção/ admissão, no curso da relação de emprego e na dispensa”.
Fizemos esta introdução para contar um caso recente, oriundo do Rio Grande do Sul, onde uma mulher conseguiu a rescisão indireta do contrato de trabalho (quando há culpa da empresa) e o Tribunal Trabalhista utilizou o Protocolo do CNJ como motivo para decidir.
Esta é a novidade, portanto, pois só a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho não bastou para interpretar os fatos e auxiliar na decisão do processo.
Voltando no citado Protocolo do CNJ, no capítulo sobre “Assédio moral e sexual no ambiente de trabalho”, encontramos a seguinte passagem que ajudará na análise do caso, que colocaremos logo abaixo:
“Em termos econômicos, a violência e o assédio de gênero constituem um obstáculo à integração e à permanência das mulheres na força de trabalho. Dessa maneira, debilitam a capacidade de obtenção de rendimentos a longo prazo das trabalhadoras e contribuem para a disparidade salarial de gênero, especialmente quando se trata de salário variável, pois a recusa de tolerar o assédio sexual praticado por superiores hierárquicos ou por clientes pode colocar em risco a capacidade de a trabalhadora obter o volume de comissões ou gorjetas necessário para o seu sustento e de sua família. O empobrecimento da vítima de violência sexual no trabalho pode se dar também com sua saída da empresa: uma em cada seis mulheres assediadas pede demissão”.
Pois bem. O caso que aconteceu no sul do País retratou um assédio sexual praticado pelo chefe de uma empregada de uma concessionária de veículos. No voto da Desembargadora do TRT da 4ª Região, constou que houveram mensagens enviadas pelo superior à empregada com imagens de mulheres seminuas, além de tentativas íntimas para atividade sexual, não consentida pela trabalhadora. E mais… a mulher ainda fez um boletim de ocorrência contando toda perseguição que tinha sofrido, além de problemas de saúde causados pela conduta da chefia.
A vitória da mulher neste caso demonstra que não cabe mais a ideia de ser apenas uma brincadeira – um mero dissabor – o que elas passam no ambiente laboral. Há ainda uma cultura em muitas empresas de “passar o pano” aos agressores de empregadas, que deve terminar imediatamente, sendo o caso ora descrito como um recado importante aos gestores: virão condenações por dano moral sempre que ficar comprovado o assédio, agora com muito mais facilidade pelo lado da vítima, em razão do Protocolo do CNJ.
Enfim, como comprovação desta análise e opinião, voltamos ao protocolo, que explica: “(…) as microagressões, combinadas entre si ou associadas a outras condutas (“cantadas”, toques inapropriados, convites insistentes, maior rigor na cobrança de metas, piadas sexistas, esvaziamento da função, desconsideração da opinião, isolamento etc.) criam um ambiente de trabalho hostil e intimidativo em termos de gênero. Nesse caso, a depender da prevalência ou não do caráter sexista da violação, pode configurar-se assédio sexual ambiental ou assédio moral”.

  • Mauricio de Carvalho Salviano (È professor universitário, advogado e mestre em Direito do Trabalho)

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