Uma jornalista especializada em plantas, que ainda trabalha na maior emissora de televisão do país, era o que meus amigos de faculdade e eu considerávamos a antítese do jornalismo na minha época de recém-formada, lá no século passado, no início dos anos 1990.
Desde aquele período (e até hoje), as coberturas dela são, na maioria das vezes, sobre flores. Lembro que gostávamos de pensar que ela teria desobedecido a alguma ordem superior e, por castigo, havia sido colocada para pautas diárias sobre flores e plantas.
No pensamento imaturo e preconceituoso de jovens profissionais da imprensa como nós, não havia nada mais chato do que esse tipo de cobertura. Afinal, sempre houve tantos assuntos interessantes para cobrir, desde a política até mesmo o setor policial: Presidentes comprando o Congresso, religiosos vendendo indulgências porque se diziam amigos do Senhor, pais matando filhos…
Hoje, todas as manhãs quando Ananda mostra a exposição de flores, a poda do bonsai ou a florada das cerejeiras eu entendo o quanto ela sempre foi sábia, por isso envelheceu bem, física e psicologicamente, ao contrário da maioria de nós.
Ela não enfrentou inimizades, não recebeu xingamentos, não foi atacada, seus filhos não foram intimidados, insultados ou ameaçados, ela não recebeu ameaças de morte ou facadas, entre tantos outros problemas recentes enfrentados pelos colegas de profissão só nos últimos anos.
Ser jornalista sempre foi uma profissão de risco, é verdade. Todos sabem que os poderosos só gostam de aparecer nas colunas sociais, ainda que, muitas vezes, pratiquem atos que só cabem nas páginas policiais. Mas as coisas vêm piorando demais e jornalista que não está com medo é porque não é jornalista.
Muitas pessoas não são profissionais do jornalismo, apesar de trabalharem na mídia. Só se autointitulam jornalistas porque querem espaço, reconhecimento, poder. Mas jornalismo não é um emprego, muito menos um diploma. É um jeito de ser, de entender o mundo e de trabalhar para que ele seja melhor para todos.
Meu sonho hoje é falar sobre flores. Se eu pudesse escolher, não gostaria mais de analisar a corrupção no Estado, o assédio moral e sexual nas instituições, a violência dentro e fora de casa.
Se eu pudesse, não gostaria mais de ter que ensinar o que é fake news, porque as pessoas não devem disseminá-las e porque o conhecimento é melhor do que a ignorância, do que o negacionismo.
Se eu pudesse, só falaria de flores, Ananda.

Ayne Regina Gonçalves da Silva (É jalesense. Jornalista com mestrado em Comunicação e Semiótica. Professora especializada em Metodologia Didática. Franqueada da Damásio Educacional em Araçatuba e Birigui)

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