Comecei a semana assistindo, no noticiário da TV, a um sargento bombeiro, que dirigia um carro importado muito caro, atirando à queima-roupa em um atendente de uma lanchonete de fast food porque o funcionário não podia, por regras da empresa, aplicar um desconto na forma de cupom depois do pedido registrado no caixa.
Na zona oeste do Rio de Janeiro, a cena do sargento bombeiro descendo da Mercedes para estapear o jovem na parte de fora da cabine já é impactante. Mas nada se compara com o que ele faz depois, com muita tranquilidade: invade a lanchonete de arma em punho e atira na barriga do empregado, que cai. Socorrido, ele perdeu alguns órgãos e continua internado no hospital público.
O sargento bombeiro que dirige uma Mercedes? Teve a prisão negada pela Justiça. Alguém aí entendeu?
E a semana não melhorou. No dia seguinte, um padre perseguiu e atropelou propositalmente um homem suspeito de ter furtado roupas da paróquia de Santa Cruz do Rio Pardo, no interior de São Paulo.
A cena gravada por câmeras de segurança mostra a ação planejada e minunciosamente executada. Pasmem, a violência do impacto do atropelamento foi calculada. O padre? Diz estar arrependido. O que aconteceu com ele? Até agora, enquanto escrevo, nada.
Estou aqui pensando: e se cada um de nós aqui atropelasse quem anda furtando nossos recursos, nossos impostos, nossa saúde mental? E se cada um de nós aqui acreditasse que pode mesmo fazer “justiça com as próprias mãos” no século XXI?
A sociedade está doente. Olho em torno e vejo pessoas descontroladas. Ansiosas, depressivas, nervosas, malvadas, tristes, apáticas, desesperançosas, destilando ódio pelo olhar, pela boca, pelos dedos nas teclas. Foi a pandemia que fez isso com a gente? Ou podemos acrescentar nessa conta a falta de empatia, de cidadania e de consciência social?
Podemos juntar mais a inflação, a falta do básico, o encarecimento de tudo, a guerra, o desmatamento descontrolado da natureza, a morte agonizante do planeta e a incompetência dos gestores públicos em todos os cantos do mundo?
Estamos assim porque a mídia nos manipula ou porque somos fracos demais e preferimos acreditar nas nossas verdades em vez de conhecer a verdade?
Estamos assim por que somos “o homem lobo do homem” ou por que a sociedade nos corrompeu e nos tornou assim, tão maus? Não teremos mesmo coragem de ver a luz no fim da caverna para escapar da escuridão? Cadê a esperança?
Falta luz nas nossas vidas. Mas só quem conhece a Caverna do Platão sabe do que eu estou falando. E já somos tão poucos…
Ayne Regina Gonçalves da Silva (É jalesense. Jornalista com mestrado em Comunicação e Semiótica. Professora especializada em Metodologia Didática. Franqueada da Damásio Educacional em Araçatuba e Birigui