A cantora Anitta estava em sua casa tentando convencer o pai a fazer uma tatuagem. Ele não queria. Achava que doía muito. Ela decidiu incentivá-lo, disse que iria com ele e faria uma primeiro, no lugar mais dolorido do corpo, só para ele saber que era suportável.
Decididos, foram pesquisar na internet qual seria a parte mais dolorida do corpo. Segundo ela, a pesquisa resultou na região anal. Promessa feita, promessa cumprida. Ela fez uma tatuagem próxima a essa região, no corpo dela, com o dinheiro dela.
E tudo isso não passaria de um episódio doméstico se ela não tivesse uma carreira internacional, milhões de fãs e fosse considerada como modelo de uma das mulheres mais empoderadas – em todos os sentidos – desse país.
Mas eis que então um cantor de uma dupla sertaneja decidiu, num ato de extremo machismo e misoginia declarar para uma plateia de centenas de pessoas, que a dupla não precisava usar a lei Rouanet para fazer shows nem tatuar a região anal para fazer sucesso. Duas frases repletas de ignorância e preconceito.
Sobre a Lei Rouanet é preciso repetir o óbvio: o que é lei não é ilegal. Artistas que usam a Lei Rouanet para financiarem seus projetos podem receber doações de até 3 mil reais (se for um artista solo). Pasmem! 3 mil reais! E todas as despesas são “auditáveis”, para usar uma expressão do momento.
E mais: todos os artistas beneficiados por essa lei precisam dar uma contrapartida social, como, por exemplo, dar aulas de música para a comunidade. Zé Neto, da dupla com Cristiano, se mostrou muito mal informado e, propositalmente, mal intencionado. O que ele não esperava é que seu comentário abrisse uma Caixa de Pandora na pós-modernidade.
Para quem não sabe ou não se lembra, Pandora foi, segundo a mitologia grega, a primeira mulher a ser criada. Como presente, recebeu uma caixa com a instrução de nunca abri-la. Mas, curiosa que era, abriu-a e permitiu que todos os males do mundo ali guardados se espelhassem.
Ao criticar a tatuagem de Anitta (porque a lei Rouanet ela nunca usou), Zé Neto provocou os fãs dela que começaram a investigar de onde, então, vinha o dinheiro que pagava – e paga – os shows dos sertanejos. Descobriu-se supostos esquemas de corrupção que precisam ser investigados para o bem da sociedade.
Já se sabe que os cachês mudam dependendo da cidade. Municípios com 8 mil habitantes pagam 1,2 milhão de reais por um show de Gusttavo Lima, por exemplo. Investiga-se também que parte desses cachês retorna para bolsos particulares.
Em algumas cidades, verbas da Saúde e da Educação foram desviadas. Mas o buraco parece ser ainda mais embaixo. Quando os auditores dos Tribunais de Contas começarem a trabalhar efetivamente na questão, vamos saber o que uma tatuagem na região anal de uma mulher bonita e talentosa pode fazer pelo Brasil.
- Ayne Regina Gonçalves da Silva (É jalesense. Jornalista com mestrado em Comunicação e Semiótica. Professora especializada em Metodologia Didática. Franqueada da Damásio Educacional em Araçatuba e Birigui)