Imagine que você, como outros milhões de pessoas que vivem no Brasil, trabalha para comer. Aceita não ter carteira assinada, nenhuma garantia trabalhista prevista em lei, dá o seu melhor por mais de oito horas por dia, mas ao final do expediente nada do dinheiro.
Então, no terceiro dia sem receber e precisando do dinheiro, você vai cobrar o empregador. Acaba morto, com mãos e pés amarrados, espancado covardemente, corpo descartado sem dó quase ao lado do local do crime, como se não houvesse sequer a preocupação de se esconder a barbárie que aconteceu.
Foi o que ocorreu com Moise Mugenyi Kabagambe, de 25 anos, morto há poucos dias no quiosque Tropicália, no posto 8 da Barra da Tijuca, na zona Oeste do Rio de Janeiro, onde trabalhava como atendente.
Segundo testemunhas que já começaram a ser ouvidas pela polícia, ele foi covardemente atacado por mais de 15 minutos, com golpes de mata-leão (sufocamento), socos, chutes e golpes de madeira. Ele não resistiu. Moise vivia no Brasil desde 2011 quando fugiu com a família da guerra do Congo, na África,
Cinco pessoas são acusadas. O gerente do local é um deles. E ele encontrou outros quatro indivíduos dispostos a linchar alguém que só estava ali cobrando o salário. Quem são essas pessoas? Como elas vivem? O que fazem? Quem é esse tipo de pessoa que mata à sangue frio um trabalhador?
Mais perguntas me incomodam. Em um local tão privilegiado como a Barra, tão movimentado, ninguém viu? Ninguém filmou a barbárie para facilitar o trabalho da Justiça? Ninguém sequer acionou a polícia? Será que é porque a vítima era negra? Se fosse um garoto loiro de olhos claros o fato teria se consumado?

“Quando a sociedade se tornou tão indiferente assim? Quando os humanos ficaram tão desumanizados? Há alguma esperança? Como viver em uma sociedade assim? ”


Enquanto escrevo sobre Moise ouço a reportagem sobre o famoso fotógrafo suíço René Robert. Aos 85 anos, ele saiu sozinho para jantar em uma rua movimentada do centro de Paris. Teve um mal súbito, caiu no chão. Ninguém o ajudou.
Ficou desacordado. Morreu de hipotermia depois de passar nove horas na calçada, ao relento, em uma temperatura de 3ºC. Se alguém tivesse acionado a polícia e se ele fosse resgatado, estaria vivo. Morreu de indiferença.
Quando a sociedade se tornou tão indiferente assim? Quando os humanos ficaram tão desumanizados? Há alguma esperança? Como viver em uma sociedade assim?
Faço essa e outras perguntas para mim mesma tentando buscar respostas. Se você, leitor, tem alguma, ajuda aqui porque só consigo pensar que, enquanto sociedade, estamos falhando miseravelmente como família, na educação, na religião e no cumprimento rápido e exemplar das leis.

  • Ayne Regina Gonçalves Salviano (É jornalista, professora mestre em Comunicação e Semiótica. Empresária no ramo da Educação em Araçatuba e Birigui )

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