MEDICINA/EVIDÊNCIA
Após dois anos sendo realizado de forma remota, tivemos em junho de 2022 a edição presencial do Congresso de Cardiologia do Estado de São Paulo. Era de se esperar que a sede de convivência afastasse as pessoas das telas e câmeras prestigiando a interação pessoal, mas o que se observou foram plateias inteiras preferindo manter o olho no telão, em vez de se olhar diretamente para o palestrante que estava ali a um toque da mão. Este fenômeno já está descrito no último livro de Dráuzio Varella (O EXERCÍCIO DA INCERTEZA, editora Companhia das Letras, maio de 2022), quando ele ratifica a superioridade da lousa e do giz no processo educacional, comprovada pela sua própria experiência como professor do cursinho. As luzes parecem um ímã atraindo olhares magnetizados, num fascínio indisfarçável da necessidade de brilhar própria dos egos insuflados tão próprio dos que se pretendem medalhões da medicina. Esse fenômeno que a tecnologia alimenta corrompe a comunicação universal, tendo como catalisador a facilidade de manuseio dos smartfones.
As mensagens de voz via whatsapp, por exemplo, fizeram o diálogo descer alguns degraus na escala do entendimento humano. Retrocedemos ao tempo do telégrafo e do rádio amador, quando a conversação não era simultânea. Um recebia para, só depois, responder a quem ansiava por saber se o gato havia ou não morrido depois de subir no telhado. A única diferença do bate papo atual é não ser preciso conhecer o código morse, nem dizer câmbio como deixa para o outro começar a falar. Hoje basta saber aumentar a velocidade do áudio para nos livrarmos de falas de algum chato que ouse falar por mais de quinze segundos. Até parece que não confiamos nas boas maneiras do nosso interlocutor, desconfiando que o coitado do outro lado vá interromper bruscamente o nosso raciocínio, ou cortar a nossa fala, se optarmos por fazer uma ligação telefônica, ou se usarmos a tão sonhada – e por décadas esperada por sair dos filmes de ficção científica para se tornar realidade – chamada de vídeo em tempo real.
Se tudo continuar neste ritmo, o próximo natimorto será o prometido holograma, onde seremos substituídos por nossos avatares, cópias melhoradas de nós mesmos. Esse novo passo da tecnologia, porém, só terá sucesso se os craques dos computadores conseguirem nos projetar sem barriga, nem rugas (a sovaqueira já foi abolida junto com o mau hálito). Nossos pequenos clones estarão dispensados de usar máscaras, mas ainda não se tem notícia da possibilidade de toques (ou carícias). Agora, se o cafuné puder ser transmitido no ar, aí sim é que a estrovenga será natimorta. Se nem conversar queremos, imagine só poder avançar um pouco mais no quesito namoro virtual. Nenhuma máquina substituirá a presença, por isso, já de antemão podemos garantir que os níveis de depressão é que continuarão aumentando, principalmente após a divulgação da dúvida sobre a associação entre a Serotonina e a doença, base do seu tratamento moderno. “Não há evidências consistentes da existência de uma associação entre serotonina e depressão para garantir a hipótese de que a depressão seja causada por baixa atividade ou concentração de serotonina”, concluíram (Joanna Moncrieff et al. Mol Psychiatry. 2022).
- Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)