• MEDICINA/EVIDÊNCIA

Os tempos e os costumes mudam na velocidade da luz. Na época em que as músicas mais abusadas se limitavam a insinuar o que poderia vir a ser interpretado como obscenidade (“ela só quer, só pensa em namorar”), e que para sugerir um beijo apaixonado as novelas radiofônicas aumentavam o volume do fundo musical (o que já era suficiente para estimular a imaginação dos ouvintes), ser um cavalheiro era o desejo de todos os homens daqueles tempos. Mas não bastava querer ser um cavalheiro. Havia regras rígidas para quem quisesse ser reconhecido como tal. Não bastava saber abrir a porta do carro ou portar dois lenços, um para si mesmo, e outro para atender as eventuais necessidades da moça, que poderia deixar derramar uma lágrima traidora de suas emoções mais íntimas em momento febril. Ser cavalheiro exigia muito mais. Cavalheirismo era um modo de vida, antes de ser um galanteio.
Uma das necessidades primordiais do bom mocismo era guardar segredo sobre as conquistas amorosas. Um cavalheiro jamais revelava o nome da dama conquistada, e contar as intimidades o colocava no limbo eterno. Um gentleman jamais traia o que acontecia num clima de romance. Segredo era a palavra de passe para adentrar à confraria dos bons partidos. Mas, bastou piscarmos os olhos e novas eras ditaram regras completamente opostas às antigas. Ser cavalheiro passou a ser sinônimo de “não ser muito chegado à masculinidade”, e já não se encontram mais os lenços presidente nem o pente flamingo. Hoje só os descartáveis e os cabelos cuidadosamente desalinhados. As músicas só não são mais explícitas do que os vídeos (já não mais) proibidos para menores. A velocidade da luz arrebatou os antigos costumes.
Alguma discrição que restasse seria capaz de ainda agradar muita gente. Exceto a saúde pública, que sempre precisou do alarde para ter sucesso. Os mecanismos de vigilância de doenças dependem da informação rápida para oferecerem a elaboração das necessárias medidas de contenção. Tudo precisa acontecer com publicidade. A informação dos agravos, que levam o nome de notificação, são fundamentais. Nem precisamos esperar a confirmação, pois a comunicação de uma suspeição já basta. Assim, se um médico estiver frente a um paciente com suspeita de hanseniase, por exemplo, precisa imediatamente comunicar as autoridades, ainda que depois essa suspeita não se confirme. O mesmo acontece com a covid-19 e com a dengue. Quando o médico deixa de fazer a comunicação de uma doença ele retarda a contenção da transmissão e não colabora para a busca ativa de possíveis comunicantes. Só aqui o segredo não é bem-vindo.
E para quem porventura ache que eu estou muito velho e saudosista, mantendo ainda (boas) lembranças de um cavalheirismo distante, vou reproduzir a frase que o grande Millôr Fernandes proferiu aos 86 anos de idade: “Atenção moçada, quando eu disser no meu tempo, quero dizer daqui a dez anos”.

  • Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)
Assim, se um médico estiver frente a um paciente com suspeita de hanseniase, por exemplo, precisa imediatamente comunicar as autoridades. O mesmo acontece com a covid-19 e com a dengue

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