MEDICINA/EVIDÊNCIA

As publicações médicas são relativamente mais afeitas à verdade do que a antiga bula de biotônico. Os corpos editoriais obedecem a regras que limitam a imaginação dos autores e, até mesmo, a originalidade das redações. Isso procura garantir que nada nada publicado antes daquele crivo e o dos comitês de ética em pesquisa. Artigos científicos são “engessados” por natureza e, por isso, não têm começo, meio e fim como os textos comuns. Eles são, sim, dispostos segundo termos esquisitos, que atendem pelo nome de abstract, background, materials and methods, results e conclusions (assim mesmo, em inglês, língua sob a qual são obrigatoriamente escritos).
Mas, apesar de os artigos acadêmicos e a literatura universal não terem nenhuma semelhança nas regras de escrita, ambos têm a pretensão de transformar a realidade. Adam Smith conseguiu mudar o pensamento mundial a partir de 1776 com as ideias que escreveu (“The Nature and Causes of the Wealth of Nations”), mas, apesar de a ciência já ter demonstrado há bastante tempo que o uso de atenolol em idosos não é superior ao placebo na prevenção de diversos desfechos cardiovasculares, (AVC, doença coronariana e mortalidade total), aquele remédio continua a ser prescrito com a mesma finalidade (Medical Research Council Trial of treatment of hypertension in older adults: BMJ 1992;304:405–12).
Nos anos 30 do século passado, integrantes do exército norte americano cunharam o termo alfabetismo funcional para se referirem aos indivíduos que possuem a capacidade de utilizar a leitura e a escrita para fins pragmáticos, em contraposição àqueles que leem apenas para mostrar erudição (Castell, Luke & MacLennan 1986). A UNESCO aproveitou esse conceito para definir o que seja o analfabetismo funcional que designa um meio termo entre o analfabetismo absoluto e o domínio pleno da leitura. Esse termo serve para se referir às pessoas que, apesar de saberem ler e escrever formalmente, não conseguem compor e redigir corretamente um texto mínimo.
Nem Adam Smith nem a UNESCO da década de trinta dispunham dos modernos meios de divulgação de ideias, como a TV e a Internet. Esse tipo de mídia não estava nem nos sonhos dos escritores, mas acolheu nos seus colos os órfãos do analfabetismo funcional. Hoje essa malta se embala e se comunica entre si como nunca antes aconteceu, se fortalecendo com o leite farto que jorra sem medo de ser mal-entendido, nem desinterpretado (Michaelis – Dicionário Brasileiro de Língua Portuguesa). Em época de campanha eleitoral os filhos do analfabetismo funcional descem dos braços e põem seus perigos às ruas.
Essa turma é representada por aqueles que acreditam nas imagens e nas falas dos seus candidatos, veiculadas em qualquer plataforma de áudio ou de vídeo. Eles fazem questão de ignorar que os postulantes aos cargos eletivos são bonifrates de seus marqueteiros e, por isso mesmo, prescindem de qualquer credibilidade. Talvez os debates possam esmiuçar os interiores dos candidatos, mas há de se duvidar que aqueles gatos escaldados se deixem desnudar por uma armadilha verbal, um escorregão mental ou uma incontinência emocional.
Deixe-se enganar quem assim o quiser.

  • Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)
Adam Smith conseguiu mudar o pensamento mundial a partir de 1776 com as ideias que escreveu (“The Nature and Causes of the Wealth of Nations”) // Wikipedia.org

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