MEDICINA/EVIDÊNCIA

A contradição faz parte da vida e é um exemplo de nossas fraquezas. Ao mesmo tempo que somos doidos por novidades, adoramos reprises. Nossa barriga já doeu milhões de vezes de tanto rir com as esquetes dos “trapalhões”, já choramos até secar as lágrimas com o “Chaves” em Acapulco e sabemos de cor quem matou Odete Roitman; porém assinamos o canal VIVA e damos like aos borbotões no YouTube para não perder nenhum novo velho capítulo.
Mas, nem tudo que se repete nos dá prazer. Achamos que vale a pena ver de novo, mas somos seletivos. Nossa paciência é circunscrita à área do prazer. Exemplo disso é quando temos que escutar as mesmas histórias que os nossos idosos contam. Mesmo que o vovô empreenda veemência, faça inflexões vocais e recheie o “causo” com algumas mentirinhas, não conseguimos manter a atenção como ele gostaria que acontecesse. Abominamos o enfado.
Essa contradição humana não acontece só no ambiente doméstico. Infelizmente essa prática corre solta por locais que adubamos diariamente. Nos nossos consultórios médicos isso acontece rotineiramente, e envolve consequências obviamente perigosas.

Um médico que não escuta (quantas vezes lhe seja dito pela mesma pessoa) corre dois riscos: O primeiro, o de não atender ao desejo principal do idoso, que é o de – tão somente – se fazer ouvir.

E o segundo, tão grave quanto o primeiro, o de tomar uma conduta errada.
Dia desses uma cliente confidenciou ter deixado de tomar um remédio porque, ao ler a bula, soube que ele serve para diabetes. Aquela senhora simplesmente parou a medicação porque nunca teve essa doença, mas sim um problema que ela chama de “coração fraco”. O que deve ter acontecido? – Provavelmente uma falta de comunicação efetiva, onde um fala e o outro entende. É fácil perceber quando o paciente, o emissor da mensagem, não sentiu seu recado ser recebido. Para ele, o médico simplesmente não se interessou pela sua história. A partir daí, o idoso simplesmente “desliga” e o diálogo deixa de existir.
Por outro lado, o médico não explicou (ou não se importou de saber se foi entendido) que aquele medicamento, que foi inicialmente desenvolvido para uma doença, serve também para outras. O exemplo dessa situação ocorre com o remédio chamado empaglifozina (e dapaglifozina), desenvolvidos para diabetes, mas eficazes para o tratamento da insuficiência cardíaca, ou o “coração fraco”. Esse medicamento reduz o risco dos pacientes cardiopatas morrerem do coração e de precisarem ser internados, mesmo que a pessoa não tenha diabetes.
Utilizando uma expressão digna dos nossos avós, é o mesmo que “mirar no padre e acertar a igreja”Quem se interessar por saber mais, acesse: (Effect of empagliflozin in patients with heart failure across the spectrum of left ventricular ejection fraction. Butler J, Packer M, Filippatos G, Ferreira JP Eur Heart J. 2022 Feb 3;43(5):416-426. doi: 10.1093/eurheartj/ehab798).

Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)

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