Quando ouvimos falar de extinção pensamos no mico-leão-dourado e na ararinha azul, mas esquecemos do sumiço de tantas outras coisas. Ninguém cita, por exemplo, o fim do juiz de paz, o desaparecimento do lanterninha de cinema e do charreteiro. Isso pra não citar o lavajeiro.
Os três primeiros mantinham uma estreita, embora invisível, ligação. Se o lanterninha não andasse pelos corredores escurinhos do cinema, o índice de natalidade cresceria muito e o juiz de paz teria muito trabalho. Os novos casais, por sua vez, precisariam do charreteiro para levá-lo à estação. Esse trio fez o mundo girar em harmonia, e agora descansa na memória sem nenhuma homenagem, lotando as maternidades.
Dentro dessa onda estão muitos outros profissionais. Todo executivo, por exemplo, deveria conhecer essa realidade antes de continuar se achando insubstituível. Nos escritórios tudo está indo embora. A máquina de escrever só resiste por ter evoluído. Ela sofreu mutações. Passou pela fase da eletricidade e chegou ao teclado do computador, o seu último degrau na escala evolutiva. Já o tal executivo deveria se coçar. A tal inteligência artificial logo lhe roubará o emprego.
Mas o pior são as profissões acabadas sem termos percebido. Na ponta delas estão os professores de gramática. Se alguém duvidar, basta dar uma passada pelos textos publicados nas redes sociais, onde inexistem conjugação verbal, infinitivo e acentuação. Quem se aventura a dar uma passada de olhos encontra algo muito distante do conteúdo antigamente ensinado nas escolas.
O lavajeiro é outro ser estranho. Não somente pela grafia, mas pela insalubridade. As crianças embaladas pelos discos da Xuxa certamente não têm ideia da existência dele. Esse profissional passava pelas nossas casas recolhendo os restos de comida da semana armazenados em um latão. Todo o conteúdo da cozinha era posto ao relento, atraindo moscas e exalando um mau cheiro característico, mas pronto para se transformar em banquete para os porcos criados nos quintais. Essa era a tal lavajem recolhida pelo lavajeiro.
Aquele ser pré-histórico já extinto, o professor de português, ensinou-me a grafia correta para a palavra. Deve ser escrita assim mesmo com J e não com G. Esta última é destinada ao processo de limpeza e não ao chafurdar na lama próprio dos suínos. Mas isso não importa mais. Nos nossos quintais não tem mais galinheiros, nem chiqueiros. A saúde agradece, mas a memória lembra.
Dr. Manoel Paz Landim
(Cardiologista, Professor da FAMERP de São José do Rio Preto)