MEDICINA/EVIDÊNCIA
Minha geração foi profundamente influenciada pelos filmes de bangue-bangue. Mal chegávamos da escola e já íamos reproduzir as aventuras do Cabo Rusty e Rin Tin Tin. Eu, que morava na roça, levava vantagem sobre a molecada da cidade porque – além do revólver de espoleta – tinha meu próprio cavalo. Lembro muito bem da tarde em que passei na frente do animal no exato momento em que meu pai lhe apertava a barrigueira, que é aquele cinto apertado que serve para segurar o arreio e levei uma mordida daquele coitado que não dispunha de outra forma para reclamar. Minha reação instantânea foi dar um murro com toda força direto na boca do bicho. As consequências da raiva não foram exatamente as melhores, porque ganhei um tremendo castigo! Contudo, a lição serviu para me fazer aprender na prática o porquê do código de Hamurabi e da pena de talião terem sido abolidos: Primeiro porque um animal, sendo irracional, não é senhor dos seus atos e, segundo, porque não se pode obter justiça na base do olho por olho.
Passados mais de cinquenta anos lembrei daquela lição como se tivesse acabado de acontecer. Andaram comparando a conduta de um indivíduo possuidor de diploma de médico à de um animal. Um sujeito que atuava como anestesista abusou de maneira vil e doentia de uma vulnerável, exatamente como antes dele fizeram o ex-diplomado e hoje detento Roger Abdelmassih e Hosmany Ramos. O primeiro por cometer crimes de igual natureza sexual e este outro, ex-assistente do icônico Dr. Ivo Pitanguy, por assassinar, traficar e roubar antes de ser condenado e preso. Eles definitivamente não são animais, mas exemplos do quão baixo, cruel, ignominioso e reprovável pode ser um ser humano. São pessoas que expuseram as fraquezas do nosso gênero da forma mais escancarada possível. Os atos que praticaram são ainda mais brutais e chocantes porque seus autores possuíam licença para adentrar à intimidade de quem os procurassem para tal.
Embora ninguém queira admitir que sua própria natureza possa ser rebaixada ao rodapé da moral e excluída das hostes éticas, é preciso reconhecer que aqueles possuidores de diplomas são pessoas de substrato biológico exatamente igual ao de todas as outras. Tanto o são, que as condutas sexualmente reprováveis estão previstas em vários códigos, como acontece no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) sob o título de transtornos sexuais e da identidade e de gênero, que podem ser decorrentes de um transtorno que merece tratamento especializado (Parafilias). Mas é na esfera jurídica que residem as punições para quem comete estupro de vulnerável, num profundo desrespeito à dignidade sexual, para o qual não cabem fiança, suspensão condicional do processo, suspensão condicional da pena, benefícios atinentes ao JECRIM e penas restritivas de direitos, anistia, graça ou indulto, por hediondos que são.
Quando insisto em dizer que esses seres (des)humanos não podem ser comparados a animais, o faço no intuito de proteger os irracionais. Classificar esses indivíduos como simples “detentores de diploma de médico” é necessário para excluí-los da classe médica, que eles nunca chegaram a integrar e, por isso, não são capazes de maculá-la. Um Médico situa-se além do seu diploma.
- Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)