- MEDICINA/EVIDÊNCIA
Depois de um ano abominável, 2022 começou com uma boa notícia vinda de longe. Em 10 de Janeiro, o Centro Médico da Universidade de Maryland, em Baltimore, nos Estados Unidos, divulgou a realização de um histórico e inédito transplante de coração usando o órgão homólogo de um suíno geneticamente modificado. O receptor foi um homem de 57 anos de idade, David Bennett, residente naquela mesma cidade, portador de cardiopatia em estágio final e sem possibilidade de ser tratado com o procedimento tradicional.
O responsável pelo feito foi o Dr. Bartley P. Griffith, que considera a nova técnica um importante passo na resolução da crise da escassez de órgãos para doação. Como todo procedimento experimental, ainda não se tem a certeza de sucesso. O Dr. Christiaan Neethling Barnard fez o primeiro transplante de coração no receptor Louis Washkansky em 3 de dezembro de 1967, que veio a falecer de pneumonia 11 dias após. O que poderia ser interpretado como fracasso, na verdade inaugurou a era dos transplantes. Assim como aconteceu àquela época, esse novo procedimento pode abrir muitas outras portas, romper uma nova era.
Ironicamente o coração é associado – de maneira errada – às emoções. Mas, de nada adianta saber que o controle dos sentimentos está no cérebro. Para os poetas e enamorados a paixão e o amor vão morar eternamente no coração. Esse transplante, então, veio pra mexer com muita gente:
- Como explicar que justamente o porco, o animal considerado imundo para tantas religiões, tenha proporcionado a cura (ou, no mínimo, uma melhora clínica) de um ser humano que vinha sofrendo o martírio da fase terminal de uma doença tão incapacitante?
- Como os negacionistas, esses párias da civilidade e da razão, vão conviver com a possibilidade de uma alteração genética ser capaz de contribuir para a saúde? Eles mesmos, que tanta besteira expressaram quando uma vacina SEM NENHUMA RELAÇÃO COM MODIFICAÇÃO GENÉTICA, mas que mencionava o termo RNA envolvido na sua produção, ajudou a salvar a humanidade?
A única conclusão possível é a de que a ciência não está nem aí para as crendices, as taras, o fanatismo religioso, a posição política, a ideologia ou a falta dela. Ainda que demore, a luz sai debaixo do alqueire para iluminar o mundo. Aliás, o mundo se cansa da burrice. Basta lembrar que a idade das trevas não se firmou. Ao contrário, abriu caminho para o Renascimento e, para dele, nascer o iluminismo. René Descartes (1596-1650), o pai do racionalismo moderno propôs adotar a dúvida sistemática como meio para encontrar a verdade. Para ele, a dúvida é a premissa das coisas e ela só acaba quando é encontrada a comprovação científica dos fatos. Notem que ele nem cita quem acredita ou não nos resultados. Em linguagem corrente, não está nem aí para os ignorantes. Para esses, a evolução trata de reservar o esquecimento e a completa exclusão do processo histórico.
- Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)