MEDICINA/EVIDÊNCIA

O maior agrado que se pode oferecer a um intelectual é chamá-lo de pensador. Eles fazem a diferença na sociedade porque permitem inquietação às suas cabeças. Foi o que aconteceu na luta contra o racismo e a favor do direito das mulheres, que Gloria Jean Watkins (conhecida por bell hooks, assim em minúsculo por sua escolha própria), disse que “saber ser solitário é fundamental para a arte de amar”. Ou a John Stuart-Mill e à sua luta contra o utilitarismo (doutrina que acreditava que o mundo fosse regido por dois princípios, o prazer e a dor, ou o bem e o mal) fundando a sua “sociedade de debate’. Mas, o grande objetivo do intelectual deve ser refletir livremente sobre os sentimentos que incomodam a sua existência, com a mesma intensidade que reflete sobre os sentimentos que são incapazes de lhe incomodar.

A matéria prima dos intelectuais, então, é a atenção às emoções que lhes chegam sem hora marcada. Qualquer um deles detesta as impressões pré-concebidas. Preferem viajar sobre todos os ângulos que os sentimentos viajam. E as ideias mais simples são justamente as que permitem maiores variações sobre um mesmo tema. Um assunto bastante discutido é o que trata do material que forja um bom médico. Algumas pessoas acham que é uma boa base técnica, outras acreditam que é a atenção ao paciente, enquanto muitas outras creem ser a experiência adquirida. O bom da história é que ninguém está errado. Porém, o que me foi dito há pouco tempo teve o poder de causar profunda inquietação, mexendo com os meus sentimentos de maneira integral e me proporcionando momentos de êxtase: Foi-me dito que “médico bom é aquele que gosta de gente”.

Esse barulho está morando dentro da minha cabeça desde que ouvi aquela frase. Mói, remexe, dá nós e não me deixa quieto. Após trinta anos de profissão ainda me deixo seduzir por ideias. Elas são paixões, verdadeiros entorpecentes insistindo em se transformar em conceitos, que – depois de me embriagarem – me carregam para lugares perdidos dentro do meu íntimo. O prazer do pensamento é este: assistir à briga em determinada hora, para, no instante imediatamente seguinte, se tornar combatente.   ser combatente

Não sendo intelectual, nem pensador profissional, apenas permito ao meu íntimo processar as ideias como quem mistura ingredientes à procura de novos sabores. A referência à bell hooks, então, é uma lembrança à inquietação que lhe acorreu antes de elaborar suas teorias, ainda em suas aulas de graduação na faculdade, como ela conta no prefácio da edição de 2915 de seu “O feminismo é pra todo mundo”. Minha mistura de ingredientes não tem a pretensão de sair do meu peito e ir às ruas para forjar a provocação social sob a qual ela ajudou a construir as grandes mudanças no feminismo após a publicação de seus livros. Meu verdadeiro prazer acontece já quando estou ruminando os sentimentos e me deixando mudar por eles.

Minhas procuras aumentam à medida em que as engrenagens do pensamento se azeitem pelas provocações, como as que estão acontecendo após ouvir que ‘o bom médico gosta de gente’. Vou recomeçar.

  • Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)
Gloria Jean Watkins (conhecida por bell hooks, assim em minúsculo por sua escolha própria), disse que “saber ser solitário é fundamental para a arte de amar”

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