Quando os jornais divulgaram a morte do ex-presidente em fevereiro de 1992, confesso ter pensado se tratar de mais uma das inúmeras anedotas plantadas por ele mesmo para chamar atenção. O mestre era insuperável. Quando voltou da Inglaterra depois de um breve autoexílio, por exemplo, exibia uma barba à Abraham Lincoln que – de tão ridícula – estampou as primeiras páginas. Ou, ainda, quando pedindo a seu motorista para amparar-lhe enquanto descia do carro e se dirigia para o palanque. Vendo que o político estava em plena saúde, o auxiliar estranhou o pedido, ao que teria ouvido: “o povo adora sentir pena das pessoas”. Essas e tantas outras histórias se perderam para sempre no folclore, tal qual a mania de jogar talco no paletó para parecer caspa caída do cabelo meticulosamente despenteado sem que nada possa vir a ser comprovado. Mas isso não importa. O que realmente vale a pena é termos convivido com essas piadas e – mesmo após trinta anos da morte do autor – ainda estarmos rindo dele.
Qualquer político só se torna grande, se for também um grande ator, e – como todo profissional dos palcos – saber transformar história em realidade. O desempenho teatral vem antes da ideologia e dos planos de governo, como descobriram John Kennedy e tantos outros depois dele.
O que diferencia uma performance de outra, é o lugar em que se leva a cena. Aquilo que os atores clássicos conhecem como palco, os políticos chamam de palanque. Enquanto os primeiros se especializam em um estilo, os últimos precisam ser ágeis e adaptar o script à temperatura da ocasião.
Rir ou chorar dependerá do que a situação exigir. Apesar de ambos serem remunerados, os políticos não dependem dos ingressos e têm cachê infinitas vezes superiores ao de qualquer companhia famosa. Não importa se político, palhaço, ou ator, todos querem o sucesso e quanto mais no calor da hora a piada for feita, melhor será seu resultado final.
Vários espetáculos ficaram anos em cartaz e levantaram grandes plateias. Consta que a peça “O analista e a sexóloga – De Bagé para o mundo” seja a que mais tempo ficou em cartaz no Brasil: 40 anos. O texto vai sofrendo mudanças e adaptações no transcorrer do tempo, de forma a tornar verossímil a ideia original desenvolvida por Luiz Fernando Veríssimo, deixando-a sempre atual.
Mas, e se o texto não pudesse ser mexido, ficando guardado e proibido até de ser revisto? Os costumes não mudariam tanto em uns dez anos e talvez riríamos das mesmas piadas, mas quando se impede de – sequer conhecer – um conteúdo por 100 anos, aí fica difícil imaginar a reação das pessoas. Será que os escritos continuarão provocando risos, despertando dúvidas, criticando, ou fazendo pensar?
Até a medicina muitas vezes exige esperas antes da tomada de uma decisão, como o tempo que se aguarda para o crescimento de germes em uma cultura de material biológico. É preciso uns cinco dias antes de se instituir o antibiótico adequado para tratar uma infecção. É um tempo angustiante tanto para o médico quanto para o paciente. Talvez daqui a 100 anos o triste quadriênio 2019-2022 esteja completamente esquecido e ninguém consiga reagir ao que tenha acontecido com o (mau) ator que ocupou a presidência. A imposição de um século de silêncio para o público decidir entre o riso, o choro, o arrependimento, ou a vergonha garantirá tudo, menos sucesso de público, ou de crítica.
Dr. Manoel Paz Landim
(Cardiologista, Professor da FAMERP de São José do Rio Preto)