Ir à escola é atividade corriqueira e prazerosa para a maioria das crianças, mas isso não acontecia com um garoto gordinho e sardento, para quem isso era um terror, um suplício diário. Uma dor imensa aterrorizava sua alma à cada manhã. Tímido, introvertido e inseguro, escolheu a dedo um lugar na sala de aula como quem procura um esconderijo. Sempre fez o impossível para ser o primeiro a chegar, evitando ser percebido. Corria para sua carteira enquanto os demais entravam em bandos, na algazarra típica dos estudantes. Conseguiu passar as duas primeiras séries assim: lutando para permanecer incógnito e despercebido. Obviamente sem amigos. Infeliz. Na hora do lanche ficava na sala, mas – se o obrigassem sair – dava um jeito de se esquivar da tribo. Fez amizade com o zelador e as merendeiras, ajudando-os em qualquer tarefa, para – de quebra – conseguir um aperitivo para o ego. Ser prestativo e educado foi o máximo que conseguiu para driblar uma inutilidade que plantou em sua mente. Nas aulas de educação física o medo crescia. O suor pingava no rosto mais pelo medo do que pelo calor e pelos exercícios. Se banhava com aquele líquido salgado e pegajoso que denunciava o seu pavor. O buraco aumentava ainda mais ante o risco de ter que tirar a camisa, oportunidade que agradecia aos céus a sua miopia. Os óculos eram a desculpa perfeita para não participar das atividades coletivas.
Seu sortilégio prosperou até o dia em que a turma achou sua redação era a história mais engraçada que já tinham ouvido. Quando a professora acabou de lê-la, apontou para o autor, que foi ovacionado e – finalmente – bem percebido. Naquele dia ele guardou a sua lanterna e viu o seu sufoco terminar. Descobriu a existência de ar respirável fora do seu esconderijo, e – com ele – a possibilidade de pertencer àquela sociedade. Transmutou-se. O garotinho pobre, gordo e de óculos se transformou em ídolo, verdadeiro destaque nas atividades que demandassem exposição. Nascia ali a personagem que se tornaria referência em molecagem, boca-sujismo e presença de espírito. Veio ao mundo o famoso Joãozinho, herói das piadas impróprias.
As histórias que ele viveu, ou que foram inventadas, são muito conhecidas. O que ninguém conhece é a motivação por trás delas. A fama daquele capetinha é fruto de uma esperteza única, gestada na dificuldade e nascida da necessidade de esconder as próprias fraquezas. Este toque de Midas, contudo, não está disponível para compra e venda. A picardia foi uma tática que nem todos os outros Joõezinhos conseguirão um dia arrumar. A maioria dos garotos tímidos não conseguirá disfarces para driblar as próprias limitações. Seus medos viverão com poucas opções. Quem não é bom de bola, bonito, e nem fidalgo (filho de alguém), não encontra espaço no microcosmo infanto-juvenil.
Modernamente, os Joõezinhos encapsulados são conhecidos como vítimas de bulling e cyberbulling. São eles que não terão a mesma sorte do nosso pestinha, segundo Shanshan Zhang e colaboradores, que destacaram ainda a solidão e baixa-estima entre a maioria dessas crianças em trabalho que está disponível em Wei Sheng Yan Jiu. 2019 May;48(3):446-457. (“Mediating effect of self-esteem and empathy on the relationship between loneliness and cyber-bulling in middle and high school students in Liaoning Province”).