MEDICINA/EVIDÊNCIA

Quem não teve um avô contando histórias dos tempos da roça, que atire a primeira xícara de ágata, o sabão de cinza, ou o sabugo de milho que estava pendurado na parede da privada. O Brasil só deixou de ser rural na década de 50, época em que ocorreu a chamada transição demográfica. De lá para cá as taxas de mortalidade, natalidade e fecundidade mudaram e surgiu uma população urbana com seu contingente cada vez mais importante de pessoas com 60 anos ou mais de idade. Passamos a acompanhar o Sílvio Santos na TV e assistir aos primeiros “reclames”, como eram conhecidos os intervalos comerciais.


De repente criamos novos vícios e encorajamos os antigos. Fumar passou a ser sinônimo de charme e um “Continental” no bolso garantia levar vantagem em tudo (cerrrto ???).

O velho futebol agora só serve se tiver uma cerveja bem gelada descendo redondo. Fomos caminhando por esse rumo, acreditando naquilo que nos era informado e referendado pelos nossos ídolos. Vimos o Pelé em pessoa estimulando o uso de vitaminas e acreditamos que gripe se cura com “vitamina C e cama”.
Várias gerações cresceram acreditando que os alimentos industrializados são melhores por serem enriquecidos com vitaminas, até que o uso indiscriminado passou a chamar atenção dos pesquisadores. A moda do século XXI é a vitamina D, que promete melhorar desde a saúde cardiovascular até a incidência de câncer, passando pela cura do COVID. Mas, o “American Journal of Clinical Nutrition” (https://doi.org/10.1093/ajcn/nqab419: 04 Jan 2022) jogou um balde de água fria (tirado do pote) nessa crendice, afirmando que o uso de vitamina D3 não serve para esses propósitos. Os autores medicaram as pessoas com placebo ou com 1.600 IU/dia de vitamina D3 ou 3.200 IU/dia, numa média de 4,3 anos. O índice de eventos cardiovasculares no período foi de 4,9% para quem tomou placebo e de 5% para quem tomou Vitamina. Quando se olhou para a prevenção de câncer, a ocorrência foi de 4.9% para o grupo placebo, contra 5.8% do grupo que ingeriu vitamina D.
Já em relação ao COVID19, a revista PLOS ONE (February 3, 2022 https://doi.org/10.1371/journal.pone.0263069) noticiou que a suplementação de Vitamina D não interferiu em nada na evolução da doença. Nela, o grupo do Dr. Amiel A. Dror, que comandou a pesquisa, verificou que os pacientes que tinham deficiência de vitamina D ANTES DE SE CONTAMINAREM e foram hospitalizados em consequência da infecção pelo SARS-COV2, tiveram mortalidade e a gravidade maiores, o que alimenta o mito. Contudo, fazer a suplementação com vitamina NÃO MELHOROU A EVOLUÇÃO dos infectados.
Então, fica o alerta: o médico que contesta os dados dizendo que a sua experiência pessoal dá certo, certamente ainda não passou pela transição demográfica. Ele deve estar morando em uma casa servida por água de poço, iluminada à querosene, com um belíssimo fogão à lenha esquentando a água do banho que será tomado num chuveiro tipo Tiradentes.
Como se canta hoje em dia, “o golpe tá aí, cai quem quer”.

  • Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)

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