O remake HAMAS-ISRAEL nos fez lembrar de guerras (embora haja mais dezenas delas em curso no mundo). Tanta barbaridade sub-humana envergonha a espécie e provoca comichão interna, despertando questões adormecidas:
– Até onde vai o meu lado animal quando provocado?
– E a minha tolerância aguenta todo preconceito?
– A solidariedade ainda habita em mim, ou já rescindiu o contrato de locação?
Enquanto rumino, as dúvidas crescem e as certezas escasseiam. Conflitos interiores são tão doloridos quanto assistir gente morrendo pela TV. E eles não dão a opção de mudar de canal, nem de apertar o botão off do controle remoto. Ficam lá espezinhando, cutucando, atrapalhando a convivência.
Os males resolvidos aporrinham e impedem a vinda daquela coisinha distante, a paz. Enquanto a paz fica cada vez mais distante, o amigo chato, o vizinho gay, a mãe idosa e carente e o conflito pai-filho vão se acumulando debaixo do tapete da sala da consciência.
Buscar mediadores pra nossa bagunça íntima nem sempre é confortável. Esses inconvenientes nos fazem enxergar os próprios erros, configurando a maior das heresias. Quando bem treinados, como os terapeutas contratados exatamente para jogar água no nosso braseiro, correm o risco de se transformarem – eles também – em inimigos.
Mas os bofetões da realidade não nos poupam. Em vez de darem um tempo, aparecem numa topada e cair a máscara do conforto. Surgem de onde menos se espera, em conversas corriqueiras, no papo do cafezinho, ou na voz de alguém mais velho – portanto mais sabido – sempre bem instalado. Minha avó de 92 anos se encarregou disso com toda sutileza falando:
– “Nós construímos a paz! Quando fazemos isso, nosso redor pode estar pegando fogo. Mantendo a paz conseguimos abrandar a dor, reconhecer os erros e continuar em frente com menor peso nos ombros”. Falou isso com a autoridade calma e com a lucidez conquistada pelas lambadas da vida, enquanto administrava os sentimentos de ter convivido pela enésima vez com um falecimento em família.
Enquanto colocava suas dores nos lugares certos da prateleira, ensinava sem se dar conta da revolução provocada nos ouvintes (ao menos nesse). Chacoalhou minha roseira e fez cair a cara de quem se acha(va) conhecedor do mundo. Nenhum ser humano é mesmo depois de um tapa bem dado. Não pela dor, mas pela vergonha de fazer tanto drama por coisas menores, ou de tapar o zóio com o pano furado.
Dona Cida chacoalhou o cobertor quentinho da batalha esquecida, até então quietinha. Rebuliçou a tranquilidade providencial de quem não quer despertar probleminhas nem problemões. Pôs a consciência pra funcionar entre um gole de café e uma mordida no pão quente. Coisa própria de avó da gente.
Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Professor da FAMERP de São José do Rio Preto)