MEDICINA/EVIDÊNCIA

Está enganado quem pensa que o grande dilema da civilização é a dicotomia entre o bem e o mal, deus e o capeta, ou – ainda – entre o claro e o escuro. Na verdade, a pergunta que verdadeiramente deveria intrigar a humanidade é descobrir quem é o pior: o puxa-saco ou o proprietário do apetrecho. Esta, sim, é uma discussão sem fim e que se avoluma com o passar dos séculos. Afinal de contas, o puxa-saquismo é visto como uma arte e existe até quem louve seus iniciados e nutra por eles uma indisfarçável inveja. Para seus aficionados, puxa-sacos são sábios marinheiros que decifram o itinerário do sucesso nas rugas do dito cujo.
O baba-ovismo é difícil de ser entendido porque não é uma ciência exata. Estudar a justiça e o direito, que são valores absolutos e que deveriam reger as nossas vidas, só não é fácil porque os lambe-esporas atrapalham as análises sérias. Santo Agostinho, o grande pensador da fé, andou – até ele – dando umas escorregadas na própria baba, quando bajulou o próprio Deus, livrando a barra do Senhor ao eximi-lo da responsabilidade pelo mal. Afinal de contas, se admitisse que o Criador houvesse criado o contrário do bem, comprometeria a sua onipotência, ou seja, seu poder sobre tudo, inclusive de fazer o mal deixar de existir. São Tomás de Aquino também deu uma chaleirada. No famoso “paradoxo da onipotência”, tratou de colocar providencialmente a Lógica dentro da fé, admitindo que Deus é onipotente, mas só para as coisas possíveis. (Não criaria um quadrado redondo, por exemplo)
Não se tem notícia da reação Divina frente a essas defesas gratuitas de seus mais diletos seguidores e imaginar a cara que o Pai tivesse feito, esbarraria na blasfêmia. Além do mais, estaríamos tentando responder o que não tem resposta: se é pior puxar, ou gostar de ter o saco puxado. Os meandros do palácio celestial não são públicos, mas ninguém também imaginaria Deus assemelhado àquele patrão chato e inconveniente, que frequentemente dirige comentários ofensivos aos empregados para, em seguida, mal desculpar-se dizendo tratar-se de uma brincadeira.
Enquanto nos perdemos em divagações sobre a natureza da bajulação, podemos nos esquecer que alguns corpos são verdadeiros mestres da adulação. Trata-se daquelas pessoas cujos organismos são tão puxa-sacos de seus tutores, que nem doente ficam. O maior exemplo deles é o de quem nunca será infectado pelo COVID-19. São seres humanos com maior resistência que outros, por serem dotados de uma resposta imune rápida, mediada mais especificamente pelas células de defesa denominadas “natural killers” (NK). Chega-se ao cúmulo de casais não dividirem a doença, apesar de se exporem simultaneamente ao mesmo vírus. Neste mês dos namorados vamos dar a licença poética admitindo que um amante preserve o outro, mas – na verdade – um deles é um grande puxa-saco.

  • Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)
São Tomás de Aquino também deu uma chaleirada. No famoso “paradoxo da onipotência”, tratou de colocar providencialmente a Lógica dentro da fé, admitindo que Deus
é onipotente, mas só para as coisas possíveis

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