A roça tem nuances além do sotaque e o entendimento delas é exclusivo a nós, seus pertencentes. O povo da cidade e a mídia não nos compreendem e teimam em nos chamar de um jeito estranho. Referem-se a nós com nomes jamais saídos de nossas bocas, como camponeses, “representantes do agro” e tantas outras invenções. Quem nasce por aqui será, no máximo, lavrador. Entre nós, na mesa de domingo comendo frango, seremos sempre birolos, roceiros, caipiras.
Começamos a recolher a lenha no mês de setembro, cascalhamos a estrada de terra no tempo da seca para não ficarmos ilhados quando chegarem as águas, deixamos o ovo indez no ninho para garantir ninhada boa e os colocamos no paiol para não gorar tudo nas noites de relâmpago. Essa sabedoria transgeracional garantiu nossa sobrevivência e também nossa permanência na roça, mesmo com sucessivas safras ruins.
Se não prepararmos estratégias para o futuro, cairemos nas suas rasteiras. O tombo é certo para quem se finge de desavisado.
Não sei se o percentual de diabéticos é maior entre os rurais ou urbanos, mas seria interessante o campo dar exemplo e voltar a nos exigir força física.
Se tivéssemos mantido os hábitos excluídos pela tecnologia, estaríamos de acordo com uma das últimas publicações do JAMA (JAMA Internal Medicine March 2023 Volume 183, Number 3) escrita por Huijie Zhang e colaborades da universidade de Xiamen, China.
Quando éramos obrigados a madrugar para tirar o leite manualmente, carregar os latões até o girau, fazer o plantio do arroz na matraca, colher o café batendo nos galhos, quebrar o milho, descascar as espigas e debulhar também na mão, estávamos praticando exercício físico vigoroso, exatamente como descrito no artigo citado. Os pesquisadores observaram benefícios em 12 meses de atividade, reduzindo evolução para diabetes nas pessoas com obesidade.
Apenas a título de justiça: quando este autor usa a primeira pessoa do plural, está se referindo à sua ascendência, pois sucumbiu a todos os frutos da modernidade e hoje se entregou à preguiça. Ninguém é de ferro.
Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Professor da FAMERP de São José do Rio Preto)