Uma vez me perguntaram a diferença entre palácio e castelo. Confesso que até hoje não sei e nem me preocupei em descobrir a resposta, porque formulei uma teoria que me bastou, mesmo sem saber se está certa ou errada. Pra mim, palácio é um edifício administrativo, portanto público; enquanto castelo é uma residência bacana. Gente rica pode ter um castelo e nem ser nobre, mas ninguém pode ter um palácio se não for rei, presidente, deputado ou senador.
Não me atrevi a incomodar o google com essas tolices porque – no frigir dos ovos – tanto uma construção quanto outra não passam daquelas casonas bacanas que nós, o povão, nunca teremos e que, para conhecer, sempre precisaremos pagar ingresso. Continuo tendo essa convicção mesmo havendo alguns fatos históricos querendo me desmentir:
Imagino a família Vargas – Getúlio de pijama e Alzirinha de camisola – garruchas em punho atirando contra os integralistas do fascista Plínio Salgado que tentavam invadir o Palácio da Guanabara em 1938 (ver Pedro Dória – Fascismo à Brasileira, editora Planeta). Foi uma família defendendo um palácio, mas – em se tratando da família presidencial – deveria, pela minha lógica, defender não um palácio, mas um castelo. Até o último dia 8 de janeiro de 2023, essas minhas dúvidas não teriam razão de ser, mas muita coisa mudou desde aquele dia.
O que aconteceu em Brasília não está restrito à capital federal. A barbárie invadiu, em verdade, cada um de nossos castelos e palácios internos. Os símbolos atacados fizeram doer as almas de todos os brasileiros, porque os edifícios brasilienses foram erguidos para proteger nossa Constituição, abrigar as discussões e as novas ideias que se transformarão em leis e para sediar as decisões que afetarão o povo todo. Brasília não é só um símbolo, é o abrigo dos caminhos da nação. Estrategicamente construída no coração do país, não pode ser ferida.
Em se tratando daquela cidade, confesso que esperaria um ato heroico, condizente com a sua importância, e não uma patética reunião, na qual governadores – pasmem – compareceram para hipotecar solidariedade com os representantes dos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo federal em vez de se agruparem para formar uma espécie de brigada democrática, onde houvesse posturas políticas comuns defendendo a democracia contra o golpismo, ainda que alguns políticos eleitos tenham sido eleitos com plataformas ultradireitistas, com instituição de campanhas de esclarecimento. Do jeito que a reunião transcorreu, pareceu até que eles próprios – e os estados que representam e administram – não tivessem sido identicamente afetados. Os governadores ignoraram as barricadas, os grupos organizados e os acampamentos das vivandeiras que insistem em permaneceres nos quarteis clamando por uma ilegal intervenção militar.
Ideias equivocadas estão disseminadas pelo país inteiro, prontas para se transformarem em mais atos erráticos e antissistema, pois, como lembra Carlos Orsi, “A imaginação conspiratória devora a razão” (in O milênio dos Mínions, Revista Questão de Ciência, 05 de novembro de 2022). O perigo ainda existe, com a iminente e previsível possibilidade de desfecho letal. Quem espanca um animal, como se viu acontecer com o cavalo da polícia montada, é capaz das piores barbáries.