MEDICINA/EVIDÊNCIA

       Às duas horas de uma tarde de janeiro o sol queima até quem está em ambiente refrigerado. Aqueles que não estão na praia ou na piscina, mas teimam botar o focinho pra fora, tomam verdadeiras varadas no lombo. Imagine, então, um sujeito vestindo uniforme de brim, calçando coturno, empunhando uma picareta e fazendo buraco em beira de estrada. Esse coitado de miolo fervendo e couro igual a pururuca de leitão no natal, se torna uma presa fácil pra qualquer criatura que lhe sirva uma simples aguinha gelada. Nessas condições é fácil se apaixonar até por uma árvore por causa da sombra.

      Foi mais ou menos isso o que aconteceu com o Cabo Juarez, um granadeiro de coração, mas componente do batalhão de engenharia do exército por extrema falta de opção, em pleno verão deslocado para executar obras na BR 116, na vila Castello Branco, ponto que corta o Ceará, estado mais conhecido pelo calor do que por seus filhos ilustres (todos – inclusive – à procura de sombra naqueles dias). Entre uma limpada de suor e outra, naquele momento de descanso no bivaque, viu surgir bem à sua frente uma mocinha no auge dos seus vinte anos, um tanto desprovida de beleza e de charme, mas portadora dos melhores atributos para a ocasião: uma caixa de isopor com garrafas de água geladinhas e “dindins”, todos vendidos de imediato, apesar de custarem cinco reais cada um.

      Dagmar era o nome daquela vivandeira, tão ansiada como um oásis. Vendia sua mercadoria por necessidade e o exército era a salvação. Conseguiu sustentar a casa e garantir a segurança da família com a presença dos militares. Quando a obra foi encerrada, Dagmar sofreu tanto de saudade que adoeceu. Lembrava especialmente de Juarez, seu maior cliente e, de quebra, seu visitante noturno, que chegava quando o sol já tinha ido embora, mas lhe provocava tantos suores quanto aquele que pingava ao meio-dia. De dia ela bolia com ele toda alvoroçada e à noite era a vez dele ir até o quarto dela e exercer todo seu extravagante poder.

      Juarez e Dagmar formaram um casal folclórico, sempre lembrado e invejado pelos conterrâneos do lugar. Ela na precisança e ele a servindo. Mas, eis que um dia o exército terminou o que viera fazer e todos retornaram aos seus quartéis, enquanto o quarto das vivandeiras ficaram cheios de saudades dos tempos militares. A estrada ficou pronta e ninguém mais para na vilinha à beira da BR. Os carros vão e vêm sem buracos para

atrapalhar, obrigando o pessoal a buscar outras fontes de sustento independente dos soldados. Muitos se adaptaram aos novos tempos, mas – volta e meia – algumas mocinhas saudosas escrevem para seus Juarezes pedindo suas voltas. Elas acham que os militares, além de fornecerem seus sustentos também garantiam sua segurança.

       A saudade pode até ser gostosa de se ter, desde que não beire a melancolia e nem impeça a chegada dos novos tempos. Quando estes sentimentos se desordenam em nossas vidas eles dão espaço para distúrbios patológicos, afetando nosso humor. Os distúrbios que surgem podem custar muito caro para a saúde, como atestaram Datta S, Suryadevara e U, Cheong J em artigo de revisão publicado em 21 de dezembro de 2021 na Continuum (Minneap Minn).

“Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder”.

A saudade pode até ser gostosa de se ter, desde que não beire a melancolia e nem impeça a chegada dos novos tempos

Dr. Manoel Paz Landim
(Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)

Comments are closed.