Medicina/Evidência

Na época da minha infância não tinha anjo da guarda que fosse capaz de me livrar de dois pavores: – o primeiro deles era o da terceira guerra mundial. E o segundo deles era o fim do mundo em forma de fogo (eu sabia que da primeira vez tinha “acabado em água”, como a molecada insistia dizer). Já que o senhor Putin se encarregou de reviver aquele meu primeiro medo, telefonei pra minha mãe pedindo um reforço nas rezas. Agora meu quarto está novamente cheio de santos, anjos, arcanjos e querubins. Acho que não vou precisar me preocupar mais com isso, afinal de contas eles já me protegeram nesses últimos cinquenta anos e essa reavivada nos pedidos deve bastar. Além do mais, minha mãe tem alguns créditos no sistema bancário celestial porque me criar não foi assim uma tarefa tão fácil.
O segundo daqueles medos antigos brotou nesse feriado de carnaval. Rotineiramente vou ao Mato Grosso do Sul, mas dessa vez senti acenderem as brasas do final do mundo. O calor que fazia à noite era suficiente para cozinhar o ovo que havia sido frito no asfalto durante o dia. A tal mudança climática está fazendo derreter a paciência enquanto muda a vegetação e compromete as nascentes e os cursos d’água. As pessoas de meu convívio lá na região, principalmente as mais antigas e radicadas na zona rural, donas de uma sabedoria ímpar, como o “véio Abel”, sitiante vizinho cuja última aquisição tecnológica foi uma botina rangedeira, sabem que a saúde está igualmente acometida nos últimos tempos, tal qual acontece com a natureza.
Se o véio Abel soubesse que 69% das lideranças médicas e 54% dos executivos de multinacionais lá do tal Estados Unidos só agora se mostram conscientes do impacto das mudanças climáticas sobre a saúde e do tanto de tempo que continuarão nos afetando, ele chamaria aquele povo todo de burro, ou melhor: boiota, como é próprio do seu modo mato-grossense de falar. Seu Abel poderia facilmente ser um rico empresário caso ligasse mais para o dinheiro do que para a vida. Mas, como os americanos estão a anos luz de distância da sabedoria dele, só agora é que começaram a se preparar para lançar produtos que atenderão a nova demanda de cuidados para o agravamento de doenças velhas e o surgimento de novas patologias, principalmente as ligadas à poluição.
Eu só não consigo é imaginar o véio Abel sendo chamado de doutor nas usinas produtoras de energia limpa (eólica e solar) que ele montaria, nem coordenando o trabalho dos trainees das startups destinadas a melhorar os cuidados à saúde que ele também construiria. Apesar de ele não combinar com nada disso, faz é muito tempo que ele está na vanguarda. Enquanto os bambas de Massachusetts só estão se ligando agora, faz é tempo que Seu Abel sabe que a construção de novas empreitadas se faz com resiliência, exatamente como pensa o Dr Renee N. Salas, MD, MPH, MS, do Harvard Global Health Institute.
Quem vê aquele meu vizinho roceiro pode até achar que ele não sabe de nada, mas de tonto ele só tem os amigos. Em medicina, por exemplo, ele se garante faz tempo (e que o diga quantos bichos de pé ele já tirou dos pés dos meninos). Quem quiser saber mais sobre o pensamento do Véio Abel (e do Dr. Salas, coincidentemente), basta ler NEJM Catalyst produzido pelo NEJM Group, uma divisão da Massachusetts Medical Society. catalyst.nejm.org on March 2, 2022.

  • Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)
Enquanto os bambas de Massachusetts só estão se ligando agora, faz é tempo que Seu Abel sabe que a construção de novas empreitadas se faz com resiliência, exatamente
como pensa o Dr Renee N. Salas, MD, MPH, MS,
do Harvard Global Health Institute // Foto: Harvard

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