As letras nos jornais não são chamadas assim. São conhecidas como tipos. Mais precisamente tipos gráficos. Daí, inclusive, surgiu o nome dado às tipografias, ou às antigas gráficas, aqueles paraísos onde antigamente obtínhamos os papéis timbrados e todas as maravilhas existentes antes das modernas impressoras a laser, a jato de tinta e tantas outras mais.
Mas essas máquinas jamais conseguirão o glamour das redações, nem a qualidade das páginas do jornal impresso. O jornal tem um papel especial, com uma tinta feita exclusivamente pra manchar os dedos dos leitores numa espécie de prova do crime. São as digitais deixadas pelos editores nas mãos de suas vítimas. Um jornal diário folheado ao café da manhã é uma marca, uma espécie de distinção. Poucos são dignos de carregar essa marca, seja pela pressa, ou por pura ignorância.
Jornais são templos de deuses como Machado de Assis. O bruxo escreveu n’O Futuro (1862-1863), n’A Estação (1879-1904) e no Jornal das Famílias (1863-1878), periódicos hoje existentes apenas na memória tipográfica, além da revista O Espelho e n’A semana Ilustrada, também vivas só nas fotos. O espaço oferecido pelo papel jornal era a porta de entrada para quem desejasse se aventurar pela literatura e deu a Machado a oportunidade de retratar o cotidiano.
No rastro do escritor de Memórias Póstumas vieram uma infinidade de bons escritores com seus tipos igualmente divinos. Rubem Braga descrevia os horrores da guerra diretamente da Itália para os fiéis do Correio da Manhã antes de ampliar o panteão na sua Editora Sabiá, junto com outro ser etéreo, Fernando Sabino. Nos tipos gráficos tradutores de seus textos havia o âmago da vida em forma de crônica. Nas crônicas descobrimos a alma dos fatos, a sombra dos sentimentos e o gosto do despercebido. Pelos dedos ágeis (e também tintos) desses autores pudemos nos emocionar e blindar a mente contra os aspectos superficiais das notícias.
Paulo Mendes Campeamos os Carlos Heitores e Drummonds. Rimos Luisando Verissimamente as histórias mais engraçadas e Caímos Fernandamente no sexo do Abreu e de sua visão dos nossos maiores medos, da morte e da solidão. Na minha escrita eu só busco um cheiro e um tipo gráfico parecido com o deles. Desse Paulo Mendes Campos, Dos Carlos Heitor Cony e Drummond de Andrade, do Luís Fernando Veríssimo do Caio Fernando Abreu e do querido Ruy Castro.
Escrevendo em jornal espero, ao menos, ter a chance de ver o mesmo tipo gráfico usado pelos meus ídolos dando vida aos meus toques de teclado com os dedos lambuzados de tinta, enquanto sonho com a maestria Deles.
Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Professor da FAMERP de São José do Rio Preto)