MEDICINA/EVIDÊNCIA

A minha opinião sobre as crianças é parecida com a do nosso já conhecido Véio Abel, aquele meu vizinho roceiro. Para ele, as crianças têm duas grandes utilidades: pegar verme e levar recado. Exagerando só um pouquinho, eu poderia acrescentar algumas outras, como a de tomarem conta de nossas vidas e a de se apossarem do controle remoto. Só podem dizer o contrário os pais que não assistiram a um bibelô da vovó ser quebrado na primeira visita, ou que tenham saído de uma loja sem dizer que “na volta a gente compra”.
Essas pequenas pragas (ops, ‘bênçãos’) são capazes de alterar o eixo de rotação da terra, mas não o fazem porque têm preguiça. Os miúdos (ou putos, como se diz em Portugal) tradicionalmente já ocuparam a mente de Jesus Cristo (Deixai vir a mim as criancinhas), chegando até ao coração dos poetas, como Kalil Gibran (Vossos filhos não são vossos filhos) e Vinícius de Moraes (que, mais sensato, preferiu lançar a dúvida: Filhos, melhor não tê-los. Mas, se não os temos, como sabê-lo).
Eis que agora chegou a vez da cardiologia mexer com a canalha (palavra que, no português de Portugal, pode ser empregada para se referir a um grupo de crianças) ainda que indiretamente. Existem dados afirmando que a saúde cardiovascular da mulher tem estreita relação com suas taxas de fertilidade, aumentando em 16% a chance de evoluírem com insuficiência cardíaca, principalmente a modalidade que se apresenta com fração de ejeção preservada, como publicou a Dr.a Emily,(J Am Coll Cardiol. 2022 Apr, 79 (16) 1594–1603).
É bem possível que essa notícia sirva para instigar quem ainda não saiba o que é ter “um avental todo sujo de ovo”, como já disseram o Davi Nasser e o Herivelto Martins em outros longínquos e – felizmente – idos tempos. Foi pensando naquela era distante que este texto foi escrito. Portanto, o exagero é proposital. As cores foram exageradas para chamar a atenção do quanto se tem maximizado a (necessária) importância dada às infâncias. Temos calculado mal a dose e formado crianças sem valorizar os também necessários contrapesos do sistema. As três últimas gerações recuperaram com juros a carência das anteriores.
O pessoal que foi criança antes da década de 80 não teve as suas infâncias respeitadas como se devia. Era o tempo do trabalho precoce e do não reconhecimento das exigências que cada etapa evolutiva precisa para gerar um indivíduo adulto completo. Contudo, em nome da valorização do lúdico, esquecemos de ensinar a tabuada e em nome do tempo de brincar, esquecemos de dizer até que horas. Em detrimento do “cala boca, moleque”, nos calamos e só demos a voz, sem exigir, nem ensinar o dever de ouvir e de respeitar o momento do outro.
Não! Criança não deve trabalhar. Sim! Criança tem que brincar. As críticas que vierem iniciadas com um “no meu tempo…” , ou “antigamente…” não serão bem vindas.

  • Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)
Os poetas Kalil Gibran e Vinícius de Moraes citados pelo autor no contexto de educação das crianças

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