• MEDICINA/EVIDÊNCIA

Quem gosta de calmaria é chão de convento. O que salga a vida é a confusão. Onde estaria a graça se todos dominassem as ambiguidades, e conseguissem sair das situações complexas sem se chamuscar? É claro que haveria menos perigo nas convivências, mas o mundo ficaria ainda mais chato do que já conseguiu ficar depois do advento do politicamente correto.
Podemos bater palmas para a turma que consegue ser sincera, sem esbarrar na grosseria. Aplaudir quem detesta um político, mas tolera sua existência em nome da democracia. E invejar quem prefere o pijama, mas faz a namorada feliz saindo com ela na sexta-feira à noite, escuta sertanejo e ainda permanece em pé ao redor de uma mesinha minúscula erroneamente chamada de bistrô.
Porém, gostoso mesmo é gritar um palavrão quando o jogador erra o passe, e ganhar a discussão na base do grito, pois meu time sempre melhor que o do adversário. Nenhum corintiano consegue ir pra cama tranquilo sem, antes, provocar um vizinho palmeirense. É em cima deste limite que samba a alegria. A vida feliz é um retrato da boa administração da chave da cadeia. O resto é lorota.
E foi dentro deste clima que começou o mês do cachorro louco. Já no primeiro dia fomos atacados por um artigo médico que tem tudo para provar que até os mais sérios podem deslizar na maionese (Triggering of myocardial infarction by heat exposure is modified by medication intake, publicado na NATURE CARDIOVASCULAR RESEARCH no dia 01 de agosto de 2022 pelo professor da Universidade de Yale, Dr. Kai Chen). Os pesquisadores conseguiram associar mais infarto justamente em quem faz uso de medicamentos que – clássica e indiscutivelmente – protegem contra a doença. Isso por causa de um fator inusitado: o clima. Nos meses de calor do hemisfério norte foram registrados mais eventos em quem tomava betabloqueador e antiagregante plaquetário.
Quem faz uma leitura superficial pode até se assustar. A análise crítica, contudo, deixa claro a existência de muitas falhas. A primeira delas é a pergunta mais óbvia: – por que o mesmo não acontece com as pessoas que moram nas regiões de clima quente? Seria um improvável choque térmico?
– Não.
O mais provável é a supervalorização do cientificismo.
Assim como quem olha só para a cara não vê coração, é sempre bom lembrar é possível fazer sopa até de pedra. Basta usar molho de esperteza.

Os pesquisadores conseguiram associar mais infarto justamente em quem faz uso de medicamentos
  • Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)

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