MEDICINA/EVIDÊNCIA
Há quase três mil anos Platão postulou o mundo real como sendo o das ideias, e não este onde pisamos, respiramos e enxergamos. Para ele, um banquinho só foi construído porque nossa mente – na iminência de perceber o cansaço do corpo – projetou aquele objeto para servir de descanso pro esqueleto. No diálogo conhecido como Timeu, nosso amigo Platão diz que até mesmo as ideias que não prosperaram têm lugar próprio para ficar: o “espaço”. Mas, parece que o grande filósofo só não teve tempo para se debruçar sobre as ideias de jerico, aquelas coisas bobas que nascem quando as partes baixas coçam.
As boas ideias sempre têm pai, mãe, padrinho e sobrenome. Qualquer um quer assumir essa criança bem nascida. Com certeza existe o “inventor do brigadeiro” e o “pai do controle remoto da TV”. Mas ninguém sabe quem disse que a redução da maioridade penal e a revogação do estatuto do desarmamento fazem diminuir a violência. Em 27/05/15 a estatal EBC já noticiava que “Unesco se posiciona contra a redução da maioridade penal no Brasil” (https://memoria.ebc.com.br/cidadania/2015/05/unesco-se-posiciona-contra-reducao-da-maioridade-penal-no-brasil) e em 2019 o site australiano IEP – Institute for Economics and Peace – (https://www.economicsandpeace.org/reports/) deu conta que 2019 para 2020, o Brasil caiu dez posições em um índice que mede o nível de paz e a ausência de violência entre 163 países do mundo, num momento em que o armamento foi estimulado no país.
Outro mal parido é o tal cigarro eletrônico, igualmente órfão como o tratamento precoce da covid e a ozonioterapia via retal. O FDA, todo poderoso órgão de fiscalização teve que se juntar ao Departamento de Justiça Americano contra as empresas que estão infringindo a lei tanto pela produção dos tais “vapes”, quanto pelas propagandas. Embora ninguém queira saber, nem admita as evidências contrárias, as novas pesquisas e estudos deixam cada vez mais robustas as provas de malefícios. Nesta linha, o Dr. Alex P. Carll, do Departamento de Fisiologia da Universidade de Louisville Kentucky, acaba de mostrar a íntima relação entre o uso de e-cigarette e fibrilação atrial, que é uma das arritmias mais prevalentes no mundo e responsável por grande parte dos fenômenos embólicos que culminam, por exemplo, no AVC.
Ninguém quer ser demovido de suas convicções, mas o pesquisador diz com todas as letras que o uso de certos componentes presentes naqueles pretensos inocentes, inofensivos cigarrinhos atuam no sistema de condução dos impulsos elétricos do coração, gerando o distúrbio do ritmo (DOI: 10.1038/s41467-022-33203-1). Para muitos, as posições da Unesco, do IEP australiano, do FDA e de qualquer universidade mundo afora estarão sempre erradas, o que não nos deixará esquecer a música do inigualável Rei do Brega, o cantor Falcão: Você Está Certo, Quem Tá Errado É o Papa (“Se você acredita que sendo imbecil / Vai fazer diferença em prol do Brasil / Então vá / Vá mentindo / Vá enganando / Vá vivendo de lorota / E sendo idiota…”).
Dr. Manoel Paz Landim
(Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)