– “Moleque danado! Se você não me obedecer, vou te levar na farmácia pra tomar injeção!”

As broncas das mães pobres e irritadas eram essas, com direito a berros e erros gramaticais. As mamãezinhas ricas não ameaçavam, nem xingavam. Quando os filhinhos davam trabalho, elas os levavam aos pediatras. Estes  não ameaçavam, mas o castigo era o mesmo. A diferença estava na forma da sentença. Os médicos assinavam o receituário e lá vinha o mesmo farmacêutico para a agulhada na bunda. Afinal, capetinha pobre ou rico merece castigo.

         Já os doentes de verdade eram levados às rezadeiras e de lá saíam com chás, recomendações de repouso e orientações para serem feitas todas as vontades. Afinal, não se brinca com lombriga assustada. O convalescente felizardo se regalava comendo a coxa do frango, ficava sem ir à escola e ainda ganhava bala e guaraná depois do benzimento.

         – “Vai reclamar com o bispo!”

         Para resolver desde brigas de vizinho até resultado da loteria, não adiantava recorrer a outra autoridade. Juiz, advogado, ou polícia eram entidades distantes demais para serem acionadas. O reverendo não cobrava (diretamente) pelo seu trabalho, estava ao alcance de qualquer cristão e suas decisões não mereciam recurso. Afinal, recorrer ao papa sempre será impossível.

         As inversões de valores eram comuns no Brasil rural, onde tudo era mais difícil. Até a década de 80, médicos e justiça gratuita eram considerados luxos. As informações caminhavam devagar demais para quebrarem as crenças mais arraigadas. Afinal, a voz do povo

         A urbanização e a instantaneidade das informações só serviram para fazer as convicções equivocadas se tornarem verdades mais rápido. As farmácias continuam vindo antes do médico e a solução de conflito não obedece ao rito necessário. Ainda bem que deixaram de incomodar o bispo.

         No imaginário popular moderno a arma de fogo é o caminho mais rápido e mais garantido para se fazer justiça. A posse e o porte deixaram de ser exclusividade de profissionais como os policiais e os seguranças, que dependem do trezoitão na cintura para existirem. Se as rezadeiras curavam, por que não podemos adotar o coldre como solução caseira dos nossos problemas?

         Afinal, o revolver na cintura é garantia de segurança. O bandido vai pensar duas vezes antes de atacar quem está armado, não é mesmo?

         (Desde 2020 os Estados Unidos vivem uma violência epidêmica ligada às armas de fogo com maior expressão em áreas rurais e massacres escolares. Quem se interessar pode conferir o estudo de Lloyd F Novick e colaboradores J Public Health Manag Pract. 2020 Jan/Feb;26(1):32-38)    

Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Professor da FAMERP de São José do Rio Preto)

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