Meu caminho pelo mundo eu mesmo traço / A Bahia já me deu régua e compasso / Quem sabe de mim sou eu / Aquele abraço! / Pra você que me esqueceu / Aquele abraço!
(Para a professora Dona Eneida Martins Camargo)
A polis grega, que é o embrião da democracia moderna só permitia o acesso à sua assembleia a quem fosse cidadão e excluía dela os escravos e os metecos, numa flagrante desigualdade social. Essa norma era baseada em princípios que envolviam o local de nascimento, a posse de riquezas, a posição de nobreza e o gênero masculino, pois as mulheres não tinham liberdade para expressar suas opiniões. Apesar dessas doidices do período arcaico, foi a Grécia quem conseguiu nos deixar os princípios da democracia moderna. Será que a desigualdade grega envolvia também a classificação dos votantes pela escolha que haviam feito e não por seus valores pessoais próprios, como vemos no mundo atual?
O que impera nas ruas brasileiras não é a compaixão, mas o merecimento de todas as dores do mundo como punição por ter votado em fulano e não em beltrano. Pior ainda para o craque lesionado, que merece ficar fora da copa porque preferiu um candidato ao outro, ou – ainda – para o compositor brilhante, que (ele também) mereceu ser vaiado por uma torcida descontente só por sua posição política. É a lei do “votou nele, agora sofra!”, ou “quem mandou não votar no meu candidato?”. Talvez a preferência por critérios estranhos àqueles que não sejam o caráter tenha se transformado na base do pensamento moderno. Seria, se “pensamento” pertencesse àquele mundo. Ao invés disso, o que existe lá é o instinto, essa prerrogativa dos seres que ainda não desenvolveram o raciocínio lógico.
O cheiro de ódio é sentido não só nas cidades, mas nos ambientes domésticos e laborativos, igualmente contaminados pelos sentimentos mais baixos. Pessoas que um dia tiveram laços e relações pessoais afetivas e de amizade, hoje são estranhos que não se suportam e se separam. Emergiram inimigos novos: Ao já antigo “isentão” somou-se outra entidade, o “diferentão”, aquele que não comunga das ideias do grupo, ou que não pasta a mesma grama. Quem seja apolítico, não paute sua conduta por ideologia, ou prefira a neutralidade, é uma praga que deve ser escanteada. Este tipo contamina exatamente porque não se deixa contaminar, e a ele nem as máscaras são admitidas. Para muitos, este é o equipamento típico de uma política de saúde equivocada, que pode ser substituída por cloroquina e ivermectina.
Não estamos na pólis grega, mas no reino da heurística, este atalho mental que é utilizado para simplificar a solução de problemas cognitivos complexos. A Grécia pôde contar com os filósofos para destilar os equívocos políticos e aprimorar seus legados. Nossa grande pergunta deveria ser o que conseguiremos deixar para as gerações futuras. Seria, se todos tivessem sensibilidade e capacidade de reflexão. Mas, esses sentimentos foram atingidos e mortos pelos arroubos primitivos de uma massa amorfa que convive com a falta de pensamento, em detrimento de um julgamento instantâneo, raso e preconceituoso.
Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Professor da FAMERP de São José do Rio Preto)