MEDICINA/EVIDÊNCIA
A grama do vizinho é mais verde. Mas, e se o muro for tão alto a ponto de impedir a nossa visão? Ainda assim a apreciaremos mais do que a da nossa casa, ou estaremos sempre contentes com a que temos, por não termos outra para comparar? E se nem soubermos que é possível ter outra grama, ou até mesmo uma casa com o terreno todo cimentado, sem espaço para plantar nada?
A quem está fora da casinha é permitido alargar o campo de visão, por isso vamos continuar um pouco mais na nossa dúvida:
– É possível ser feliz preso? A ignorância é compatível com o bem estar? Pode-se estar satisfeito sem contraditório? Uma mente pode ser plena e um raciocínio ser largo quando não é permitida a dúvida? Um aluno pode sair da sua aula sem que lhe tenha sido provocado nenhum questionamento? Onde estaria a humanidade se a curiosidade não fosse inerente ao nosso gênero?
Enquanto uns expandem seus horizontes alimentando novos questionamentos a cada dia, existe uma manada que não enxerga adiante e está eternamente satisfeita com o seu pouco. Também, pudera, ela nunca conhecerá o que seja o muito. Se um fanático for mantido dentro das próprias convicções será sempre inofensivo, mas quando ele ganhar poder de mando, a sua fé, que só era cega, se transformará em poderosa faca amolada, como já nos alertaram Milton Nascimento e Beto Guedes. Este cara, então, produzirá danos em série. É por isso que quem arbitra não pode manter os olhos fechados. Observar a grama, o terreno, a casa e até o pensamento do vizinho passa a lhe ser uma obrigação.
O nome feio aplicado àqueles que têm limites de entendimento é “tapado” e “sectário” é a forma bonita de se referir aos membros deste rebanho. Existem duas classes de pessoas que não podem se dar ao luxo de escolher ser um ou ser outro. Aos juízes, por exemplo, não se aplica a faculdade de esquecer que o estado tem deveres para com os cidadãos, e que um deles, com prioridade absoluta, é o direito das crianças (artigo 227 da constituição). Não é assegurado, então, que uma vítima de onze anos seja retirada da família para ficar sob a guarda do mesmo estado que não foi capaz de lhe proteger.
Aos médicos idem. Essa classe, que tem poderes de determinar vida ou morte imediata na dependência do seu grau de instrução, está sendo chamada neste momento a opinar sobre um tratamento eficaz contra o COVID-19 (Consulta Pública Conitec/SCTIE nº 43/2022), que é o antiviral Molnupiravir (LAGEVRIO®). Está claro, então, que os chamados têm a obrigação de serem – ao mesmo tempo – os escolhidos, mas só farão jus a esta condição quem se dedicaram a conhecer o quintal do vizinho e nem consideraram a pajelança imposta pelo seu tutor de estimação.
- Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)