MEDICINA/EVIDÊNCIA

Existe um lugar mágico na Mooca, que é a extinta Hospedaria dos Imigrantes, hoje Museu da Imigração do Estado de São Paulo. Quem visita o local tem a chance de ver os cômodos com as camas que acolhiam os estrangeiros recém chegados, bagagens, mobiliário, objetos domésticos e de trabalho, documentos pessoais e indumentária; de sentar-se nas escadarias onde eles ficavam até o aparecimento de locais de trabalho; e de andar pelos jardins que certamente aplacavam a dor de estar em terra distante. Mas, o que realmente chama atenção é o registro dos hóspedes, com seus nomes, os locais de origem e também o nome do navio que os trouxera.
Os italianos compunham a grande maioria dos habitantes, daí a tradição da cultura deles naquele tradicional bairro da cidade de São Paulo. O museu é rico também em cartas escritas pelos oriundi e destinadas aos seus patrícios da Europa, além de outras contendo recomendações de empregadores e de parentes que já haviam desembarcado no Brasil em ocasiões anteriores. Em algumas pode-se encontrar até solicitações de reembolso das despesas da viagem, em consonância com a política da época. Porém, em qualquer que seja o assunto das cartas, o que chama a atenção é o capricho das letras elaboradas a bico de pena por pessoas que, seguramente, eram pouco alfabetizadas tanto em português quanto no idioma materno.

Dá gosto procurar em cada carta, principalmente naquelas dirigidas a pessoas queridas, um esmero a mais na letra “a” que iniciava a palavra Amore dos innamorati, ou alguri para quem havia arranjado colocação. Na “b” daquele bacio enviado de tão longe, como se o pedaço de papel pudesse carregar um pouquinho de quem as escrevesse.

A caligrafia é sempre similiar, mantendo aquele traço deitadinho para frente, como quem não resiste ao vento. É ler e sonhar.
Parece que alguns pesquisadores da cardiologia ficaram com inveja dessa releitura de cartas e começaram a extrair novas informações a partir do velho traçado de eletrocardiografia. Alguns modelos de inteligência artificial proporcionam diagnóstico de patologias usando-se o eletrocardiograma, que até então somente eram passíveis de serem obtidos por exames mais sensíveis. O Dr. Akhil Vaid, MD, da School of Medicine Mount Sinai, em New York pretende retirar daqueles risquinhos, um novo caminho para diagnóstico de disfunção cardíaca. Usando uma técnica nada romântica, os pesquisadores daquela equipe usaram uma máquina que consegue “ler” frações de ejeção do ventrículo esquerdo ≤40%, >40% e ≤50% ou >50% e também do ventrículo direito com grande acurácia quando comparados ao padrão ouro, que é o ecocardiograma.
Talvez ninguém derrame lágrimas ou encontre algum parente distante, como acontece quando se visita o museu da imigração, mas ficará mais fácil termos saúde para enfrentar tantas emoções.

  • Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)
O Dr. Akhil Vaid, MD, da School of Medicine Mount Sinai, em New York pretende retirar daqueles risquinhos, um novo caminho para diagnóstico de disfunção cardíaca

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