MEDICINA/EVIDÊNCIA

Os candidatos do horário eleitoral não conseguem me convencer. Nenhum vai ganhar meu voto, simplesmente porque nem chegaram do ponto nevrálgico dos problemas da nação: – ter (ao menos) uma churrascaria rodízio em cada município deste país. Esses pedaços de paraíso precisam de tantas isenções quanto os templos religiosos, porque não existe lugar de maior paz no mundo do que uma mesa com a plaquinha verde indicando que o caminho está livre para a picanha, a fraldinha, o coraçãozinho e até para o abacaxi com canela se aportarem.
O chão da churrascaria não é só escorregadio. É, antes, sagrado, e mais acolhedor do que uma igreja. Lá não tem pastor pedindo voto, jamais terá registros de violência, e não se corre o risco de ouvir fanáticos com suas falas tatibitate ininteligíveis e loucas. O máximo de imprevisto será um escorregão por causa da gordura. Nas churrascarias não têm garçons, mas arcanjos com espadas desembainhadas e pontas voltadas para baixo em sinal de reverência à fome alheia. Ao invés de hóstias, se distribuem porções que não acabam. A boca ainda nem acabou de mastigar o último pastelzinho de queijo e já se alegra com a cebola frita que chega. Os querubins se encarregam de manter os pratos e os copos cheios, enquanto o diafragma luta para manter a respiração funcionante e a barriga vai crescendo sobre a cinta, com os botões providencialmente abertos. Que glória!
Churrascaria será o último lugar do mundo em funcionamento antes do armagedon. E nada se acabará antes de ser degustado o creme de papaia com licor de cassis. Quando o último cliente estiver se dirigindo à porta de saída com a boca exalando café com chocolate menta, mil meteoros poderão cair, ou bombas de “mil megatons” desabarem sobre nossas cabeças, que ninguém morrerá triste. Nossa existência terá valido a pena, enquanto a maré alcalina nos embala na sua doce e reconfortante preguiça.
Nessa seara do bem, anjos caídos são os médicos, que agem como o bandido que tira o doce das crianças. Contrariando o gosto geral, eles lembram que o cumprimento de medidas dietéticas é um dos caminhos para a saúde cardiovascular. Existe até um aplicativo, a bíblia negra do anticristo, como guia sobre o que se deve ou não ingerir. O “inimigo” é justamente o sal, o mesmo que dá o sabor à maminha nossa de cada dia. A Dr.a Katherine Jefferson nos lembrou disso no seu artigo (A feasibility study of a randomized controlled trial protocol to assess the impact of an eHealth intervention on the provision of dietary advice in primary care) recentemente publicado (Pilot Feasibility Stud. 2022 Sep 14;8(1):208. doi: 10.1186/s40814-022-01168-z.).
Ela concluiu que, na prática (e não só na teoria), é possível controlar a quantidade de sal ingerida. Mas, faltou combinar com a nossa gula e com nossa corruptível vontade, que sucumbe antes de se completar o primeiro mês de dieta.

O “inimigo” é justamente o sal, o mesmo que dá o sabor à maminha nossa de cada dia. A Dra. Katherine Jefferson nos lembrou // jeffersonhealth.org disso

Dr. Manoel Paz Landim
(Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)

Comments are closed.