MEDICINA/EVIDÊNCIA

Até a avença pode ser um problema, se você e eu concordamos com o assunto, temos a mesma opinião sobre um tema, compartilhamos pensamentos, mas não mantemos a nossa individualidade. É exatamente o oposto do que acontece com a peça musical executada ao piano a quatro mãos. A mesma música tocada permite liberdade para cada um dar personalidade à composição, sem burlar a partitura. É dessa forma que mantemos a beleza da variação de um mesmo tema.
Quando divergimos e conseguimos manter a discussão focada no assunto sem nos importarmos com as nuances pessoais, tecemos o cenário propício para o nascimento das grandes ideias. E foi justamente por causa dessa discórdia construtiva que nasceu a teoria das ideias, ou Emperismo, que é a junção do Inatismo defendido por Platão, com o Realismo de Aristóteles.
Platão acreditava que já tínhamos as ideias prontas em nossas mentes ao nascermos, sob as formas de crença, opinião, raciocínio e indução. Já Aristóteles, era um filosofo que defendia que as ideias são adquiridas através da experiência. Note-se que Platão foi um estudioso de Aristóteles e nunca quis destruí-lo ou tachá-lo de desatualizado. Antes discutiu e pôs um novo entendimento para um tem comum e ficou pronto o princípio da não contradição. (Sem esquecer que a fonte foi Sócrates, que ensinou Aristóteles).
A medicina é essa sinfonia a quatro mãos, onde só não é permitido sair do tom. Os médicos podem discordar do tratamento e da dose dos medicamentos, mas só não têm autorização para fazer diagnósticos diferentes para a mesma doença. E olhem que algumas delas são muito difíceis de se mostrarem claramente, dificultando sua identificação e embaraçando a melhor conduta a ser tomada, como acontece com a “Síndrome do Coração Partido”.
Por trás desse nome sorrateiro e até mesmo poético, se esconde uma modificação estrutural no coração idêntica àquela que se dá no infarto, porém sem ocorrer a obstrução coronária que determina o infarto. Essa síndrome acontece na maioria das vezes em mulheres após um estresse emocional de grande amplitude e vem acompanhada por uma imagem característica, semelhante a uma armadilha japonesa usada para a pesca: o takotsubo. Os médicos até encontram alterações eletrocardiográficas e enzimáticas nessas pessoas, mas o cateterismo não mostra lesão obstrutiva, desmentindo – então – a primeira hipótese.
Pois agora há modelos de inteligência artificial que são utilizados no auxílio diagnóstico dessa condição, prometendo ajudar na diferenciação de um infarto de verdade, deste seu impostor. Um estudo publicado no JAMA informa que há softwares que são acoplados às máquinas de ecocardiograma que são especificamente treinados para mostrar diferenças sutis entre imagens de ambas as doenças e – assim – auxiliar no diagnóstico e no tratamento.
Essa foi a emoção que brotou da sinfonia dessas muitas mãos dedilhando o piano sobre um mesmo tema.

(Para a informação completa leia Fabian Laumer, MSc, Davide Di Vece, MD, Victoria L. Cammann, MD, et al. Assessment of Artificial Intelligence in Echocardiography Diagnostics in Differentiating Takotsubo Syndrome From Myocardial Infarction. JAMA Cardiol. Published online March 30, 2022)

  • Dr. Manoel Paz Landim (Cardiologista, Mestre em Medicina pela FAMERP, Preceptor e Médico do Ambulatório de Hipertensão do Departamento de Clínica Médica da FAMERP, São José do Rio Preto)
Platão acreditava que já tínhamos as ideias prontas em nossas mentes ao nascermos. Já Aristóteles, era um filosofo que defendia que as ideias são adquiridas através da experiência //Acervo J. Herculano Pires

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