Quando falamos em “identidade”, de modo geral, referimo-nos a traços que identificam algo. O dicionário on-line Oxford Languages define o termo como um “conjunto de características que distinguem uma pessoa ou uma coisa e por meio das quais é possível individualizá-la”. Ao refletirmos sobre o tema, é pertinente trazer à tona a noção de “pertencimento”, referente ao sentimento de fazer parte da identidade de um país, de se identificar com suas características, constituídas por sua cultura, geografia, economia, política e, sobretudo, pela língua falada.
Cada nação herda do seu colonizador vários predicados (positivos ou não), entre eles o idioma, que se altera com o passar do tempo, devido a diversos fatores, como o contato com outras culturas. Assim acontece, por exemplo, com a nossa língua portuguesa, que traz traços identitários do nosso colonizador, embora apresente muitas diferenças, como no sotaque e vocabulário, as variações linguísticas. Em outros casos, a identidade de uma nação também pode apresentar heranças de um “dominador”, receber novas influências, mesmo que não sejam sempre bem-vindas, como no caso da Rússia e Ucrânia.
O conflito entre esses dois países permite analisarmos a questão da identidade nacional e do pertencimento por meio do discurso, já que a língua é ideológica. A capital da Ucrânia, chamada Kiev (ou seria Kiyv?), trava uma “briga” linguística, como um manifesto. Segundo o site da GZH (2002), uma campanha internacional lançada em 2018 pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros Ucranianos tinha como slogan “Kyiv not Kiev” (“Kyiv, não Kiev”- versões ucraniana e russa, respectivamente). Iniciava-se, por meio da linguagem, a refutação do dominador, uma tentativa de negar o pertencimento dos ucranianos à nacionalidade russa.
A linguista Bethânia Mariani (2004), estudiosa do processo de colonização com enfoque na língua, afirma que um processo de colonização ou invasão é algo com tensões e conflitos. Nesse cenário, a Ucrânia, não aceitando o pertencimento à identidade a que foi submetida, passa a refutar, por meio da linguagem, vestígios que marcam a identidade russa. A negação da escrita “Kiev” para “Kyiv” demarca o imaginário de uma nação com ideologias distintas do seu dominador, para reafirmar sua identidade e independência.
Nos últimos dias, por conta do infeliz acontecimento, passou a circular veementemente nas redes sociais e nos aeroportos de países que se opunham ao conflito, à violação dos direitos humanitários, a escrita de “Kyiv” para a capital ucraniana.
Como vemos, além de tantos aspectos que definem a identidade nacional e o sentimento de pertencimento de um povo, as poucas letras do alfabeto de um idioma podem desnudar quem acreditamos ou desejaríamos ser. Um provérbio português diz o seguinte: “Visitantes sempre dão prazer. Se não quando chegam, pelo menos quando partem”. Para os ucranianos, que fique Kyiv, que parta Kiev e com o nome…