A distopia “1984”, escrita por George Orwell em 1949, é uma das obras mais lidas e influentes de todos os tempos. Ao retratar os males do totalitarismo em uma nação fictícia chamada de Oceania, Orwell conduz o leitor a uma viagem repleta de simbolismos e analogias, mostrando detalhes do modus operandi do Partido Único, que governa a nação. Liderado pelo Grande Irmão (Big Brother), esse partido vigia constantemente os cidadãos por meio de um dispositivo chamado teletela, capaz de transmitir e captar áudio e vídeo ao mesmo tempo.
Além dessa vigilância física, que restringe o direito de ir e vir, o partido possui uma série de outros meios “constitucionais” para controlar o cidadão. Um deles é o “crime de pensamento”, que considera crime toda ação, opinião e comportamento contrários às ideias do grupo. Para implantar essa política, há a “novilíngua”, que reprime, por lei, o uso de termos, ao mesmo tempo em que cria outros por meio da remoção e/ou junção de palavras. Dessa forma, ao dirigir o que o cidadão pensa e fala, o partido reprime possíveis revoltas populares, além de aumentar e consolidar sua força e seu controle. Algo semelhante parece estar acontecendo hoje no aparente espaço democrático das redes sociais.
No século XXI, que vai muito além das ilações orwellianas, a internet e suas tecnologias subjacentes trouxeram novas e inimagináveis formas de comunicação. Além do bate-papo em tempo real, das abreviações sem fim e do grande emaranhado de neologismos globais e locais, a grande rede foi capaz de criar espaços democráticos e inclusivos de debate. Nesse sentido, as redes sociais tornaram-se o principal palco de discussões políticas e ideológicas, dando origem a uma forma de comunicação que podemos chamar de “orientada à internet”.
À medida que temas polêmicos e controversos, além das notórias fake news, ganhavam relevância nas redes sociais, organizações como Facebook e Twitter se viram na obrigação de criar tecnologias para filtrar/moderar o conteúdo publicado. Com isso, espera-se evitar que esses espaços virtuais se tornem cenários ideais para crimes de ódio, racismo, entre outros. O próprio Youtube penalizou os vídeos que citavam os termos coronavírus e covid em 2020, limitando seu alcance e, em alguns casos, desmonetizando e bloqueando vídeos e divulgadores. Segundo a plataforma, isso foi necessário devido ao grande número de notícias falsas e desinformação associadas à pandemia divulgadas nela.
O problema dessa abordagem é que há relatos de pessoas e grupos identitários que afirmam estar sofrendo censura, pois, ao usarem determinados termos para o debate de assuntos de interesse, as redes sociais limitam o alcance e/ou bloqueiam suas contas. Por isso, muitos usuários se comunicam com o uso de “algospeak”, termo referente à junção das palavras em inglês algorithm (algoritmo) e speak (fala). Trata-se de uma técnica usada para confundir os algoritmos de moderação de conteúdo, que permite a difusão normal de postagens e diálogos sobre temas que “desagradam” as redes.
Além do uso de sinônimos e apelidos, também é comum a técnica relacionada à criação de um alfabeto próprio, misturando letras, números e caracteres especiais, além da ressignificação contextual e semântica de diversos termos e personagens históricos e fictícios. Isso tem dado certo, afinal de contas, fazer com que a máquina compreenda a linguagem natural e suas infinitas nuances é algo complexo e um dos grandes desafios da ciência da computação.
De fato, a língua falada ou escrita é o principal meio de comunicação do ser humano. Restringi-la ou direcioná-la segundo os anseios de grupos políticos ou identitários pode limitar e enviesar o debate público sobre os mais diversos temas. A quem isso interessa? Ademais, convém destacar que a comunicação orientada à internet, apesar de parecer livre e democrática, está sob a tutela das grandes organizações que detêm os meios de comunicação modernos. A “novilíngua orwelliana” está sendo construída. Resta-nos saber aonde ela nos levará!

Prof. Me. Jorge Luís Gregório
Docente da Fatec Jales
www.jlgregorio.com.br

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