Não é novidade que as máquinas, principalmente aquelas que pertencem às maiores empresas de tecnologia (Big Techs), conseguem “ler” nossas mentes. De fato, graças ao estado de hiperconectividade em que nos encontramos, os dispositivos móveis e vestíveis geram de maneira ininterrupta enormes quantidades de dados. Esses dados, que dizem muito a nosso respeito, individual e coletivamente, são processados por tecnologias de inteligência artificial (IA), sendo capazes de prever fenômenos e, principalmente, viabilizar a criação de produtos e serviços.
Indo além da extração indireta de dados proporcionada por dispositivos externos, as tecnologias de interface cérebro-máquina (ICM) conseguem extrair dados diretamente do cérebro humano, transformando pensamento em ação e sensação em percepção. Para o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, a ICM pode ser definida como a “tentativa de estabelecer uma conexão direta, computacional, entre o cérebro e um artefato que será controlado por esse cérebro, seja ele um artefato mecânico, eletrônico, virtual […]”.
O estado da arte da ciência atual compreende o necessário para proporcionar a leitura e a interpretação de sinais elétricos do cérebro por meio de eletrodos externos ou até mesmo implantes internos. Ao interpretar esses sinais, é possível transformá-los em comandos digitais que controlam uma série de dispositivos. Próteses de membros, cadeiras de rodas e exoesqueletos controlados pela mente são apenas algumas das aplicações existentes proporcionadas pelas tecnologias de ICM.
Apesar do grande potencial que essas tecnologias possuem, compreender o funcionamento do cérebro é um desafio extremamente complexo, mas que tem apresentado uma série de evoluções nos últimos anos. Por exemplo, em uma pesquisa de 2023, cientistas da Universidade de Berkeley, na Califórnia (EUA), conseguiram recriar um trecho da canção Another Brick in the Wall, Part 1, da emblemática banda Pink Floyd, a partir da leitura de sinais elétricos do cérebro.
O estudo, publicado no periódico PLOS Biology no dia 15 de agosto de 2023, consistiu em gravar as ondas cerebrais de 29 pacientes enquanto eles passavam por um procedimento cirúrgico para o tratamento de epilepsia. Durante a cirurgia, enquanto ouviam um trecho de 3 minutos da icônica canção, toda a atividade cerebral foi registrada mediante eletrodos conectados diretamente ao cérebro deles.
Após o armazenamento em formato digital, os dados captados foram processados com ajuda de IA, gerando um áudio distorcido e abafado, porém plenamente reconhecível do trecho “All in all it was just a brick in the wall…”. Antes do estudo, as tentativas de decodificar um discurso a partir de ondas cerebrais estavam limitadas ao tom robótico, não considerando a musicalidade da voz.
De acordo com os cientistas envolvidos, o estudo ajudará a compreender melhor o cérebro humano, além de inspirar uma série de pesquisas que poderão culminar no desenvolvimento de novas tecnologias de ICM. Também contribuirá para a realização de procedimentos cirúrgicos que poderão ajudar pessoas com problemas de fala e mobilidade causados por lesões na medula espinhal, acidente vascular cerebral (AVC) e outras condições limitantes.
Diante do exposto, é possível imaginar um futuro em que a ICM poderá se transformar em fusão “homem-máquina”, aumentando nossas capacidades físicas e cognitivas. Para isso acontecer, precisaremos entregar nossos pensamentos às máquinas, mas isso é assunto para outro artigo. Até a próxima!
Prof. Me. Jorge Luís Gregório
Professor e Coordenador do Curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas da Fatec Jales
www.jlgregorio.com.br